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sábado, outubro 08, 2011

Crítica à matéria de capa da Superinteressante

Segue abaixo texto enviado por volta das 13h de ontem (07/10/2011) ao Observatório da Imprensa:

"Superesperta", mas "supererrada" 

(José Edmar Arantes Ribeiro)

A Superinteressante deste mês (Out/2011), que exibe em sua capa o tema "Ciência Espírita", mostra-nos que, em se tratando de assuntos que afrontam o paradigma materialista, continua um desastre. Ao vermos a revista à mostra em uma banca, por um momento pensamos que encontraríamos ali uma espécie de retratação à lastimável reportagem principal de seu número de Abr/2010, "Uma Investigação – Chico Xavier", cuja crítica tivemos oportunidade de publicar aqui, neste Observatório (veja). Mas enganamo-nos... O diretor de redação da Superinteressante, Sérgio Gwercman, o mesmo de um ano e meio atrás, talvez por ser um crente no materialismo, mais uma vez deixou passar uma reportagem relacionada ao transcendente eivada de erros, além de contraditória, ainda que tenha feito questão de estampá-la na capa, mais uma estratégia de marketing habilmente utilizada pela revista, talvez para atrair novamente os leitores que se aborreceram com a reportagem sobre Chico Xavier.

Poderiam alegar alguns que a reportagem pelo menos informa sobre pesquisas acadêmicas realizadas a respeito de cirurgias e terapias mediúnicas, experiências de quase morte e reencarnação, de forma que, dada a excentricidade de tais assuntos, deveríamos eximi-la de críticas. Discordo. Diante de temática tão séria, à divulgação de matérias com dados errados e com a costumeira tendenciosidade e falta de imparcialidade da Superinteressante, seria de longe preferível o silêncio.

Comecemos do começo. Na capa da revista, à chamada da matéria principal ("Ciência Espírita", em letras garrafais) encontramos o seguinte enunciado: "Eles são cientistas. E eles acreditam em espíritos e reencarnação. Agora, estão usando o laboratório para provar que tudo isso não é apenas questão de fé. E dizem que estão conseguindo". Após a leitura da matéria, que se estende da pág. 56 à pág. 65, concluímos, entretanto, que houve erro (proposital ou não) ali. Ora, ao se dizer que os cientistas em questão estavam usando o laboratório em suas pesquisas, transmite-se a ideia de que tudo estaria sendo feito com o auxílio de aparelhagens, etc. Mas em nenhuma das pesquisas apresentadas (de Frederico Leão, de Alexander Almeida, de Sam Parnia, de Peter Fenwick e de Erlendur Haraldsson) é utilizado qualquer instrumento laboratorial! Tais pesquisas são baseadas principalmente em entrevistas e questionários. Assim, um leitor que tenha comprado a revista esperando a apresentação de trabalhos laboratoriais sobre espíritos e reencarnação terá sido simplesmente ludibriado...

Agora passemos à matéria em si. Logo na primeira página (pág. 56) um erro crasso. À ilustração de Peter Fenwick, neurologista do Kings College (Londres), segue-se a descrição: "Pioneiro nas pesquisas de vida após a morte". Desconhecem os autores da reportagem (Pablo Nogueira e Carol Castro) que desde mais de 130 anos antes de Fenwick iniciar suas pesquisas (1985), a partir de trabalhos como os do químico Robert Hare (1781-1858), da Universidade da Pensilvânia, e do juiz John W. Edmonds (1816-1874), da Corte Suprema de Nova York, o assunto já vem sendo estudado no mundo todo? Incrível, mas parece que sim...

À pág. 58, referindo-se aos autores do artigo "Cirurgia espiritual: uma investigação", os responsáveis pela reportagem escrevem: "O que chamava mesmo a atenção era a proposta dos pesquisadores. Eles defendiam a necessidade de mais investigação sobre o 'mundo espiritual'." Mas não é isto o que lemos no artigo. Ali, o que é defendido é a necessidade de um melhor conhecimento dos "mecanismos e eficácia das curas espirituais", o que é diferente.

Na mesma página, em referência ao Departamento de Psiquiatria da USP, está dito (destaque nosso): "Lá foi fundado em 1999 o Programa de Saúde, Espiritualidade e Religiosidade (ProSER), que se dedica justamente a examinar os efeitos da religião na saúde das pessoas, como no caso das cirurgias mediúnicas". Errado! O estudo de cirurgias mediúnicas não é um exemplo de exame dos efeitos da religião na saúde das pessoas. Pode até haver convergências aí, mas em princípio são coisas bem distintas.

Na segunda coluna da pág. 60, após quatro depoimentos de pessoas que vivenciaram experiências de quase morte, inclusive a de um homem que estivera no estado de coma profundo e que, uma semana depois, em fase de recuperação, voltou ao hospital e reconheceu uma das enfermeiras presentes, lembrando-se "de que fora ela quem tinha retirado os seus dentes e os colocado em um carrinho, com garrafas em cima e uma gaveta embaixo", descrevendo ainda com detalhes a sala e as pessoas que participaram da operação, lemos o seguinte: "Seja como for, isso são só relatos. Acredita quem quer". O questionamento da idoneidade daqueles que vivenciam ou presenciam fenômenos anômalos sempre foi recurso comum utilizado pelos negativistas. Uma pena. Será mesmo razoável duvidar da honestidade de outrem apenas porque relate experiências que se desacredite?...

Na mesma página, no início da seção "Outro lado", em referência às 63 ressuscitações pesquisadas por Parnia e Fenwick, lemos: "Para os céticos, o resultado não poderia ser outro, mesmo que houvesse uma EQM". Mas houve EQM! No artigo dos pesquisadores ("A qualitative and quantitative study of the incidence, features and aetiology of near death experiences in cardiac arrest survivors", Resuscitation 48: 149-156, 2001), encontram-se relatos de 4 experiências de quase morte. O que não ocorreu foram EFCs (experiências fora do corpo).

Na pág. 61, toda coberta por uma ilustração de Sam Parnia, lê-se como parte da legenda (destaque nosso): "Coordena a maior pesquisa da história sobre a existência de espíritos". Bem, apesar dos autores da matéria esforçarem-se por aproximar semanticamente a ideia de uma consciência independente do corpo físico com a ideia de espírito, de alma, não nos parece plenamente lícita esta aproximação. Em termos mais exatos, Sam Parnia coordena a maior pesquisa da história sobre a distinção entre mente e cérebro através do estudo de EQMs.

À pág. 62, lemos: "Alguns pacientes contam detalhes específicos, como o caso da mulher que viu o médico se atrapalhar com o carrinho cirúrgico. Susan, porém, acredita que nesses casos a audição estaria ainda em funcionamento já que é o último sentido a ser perdido , e a mente seria capaz de criar aquela imagem visual". Mas quem é Susan? Por mais que se procure na matéria referências anteriores, não se encontra. Que descuido, hein?!

Foi curioso também ler, na mesma página, que "outros três estudos feitos no século 21 questionaram a ideia de total 'desligamento' do cérebro" (o destaque é nosso). Além de não ter sido feita nenhuma citação anterior a estudos a este respeito, não foram fornecidas referências sobre os três estudos citados, e, de quebra, ficamos com a impressão de que vivemos em século outro que não o 21...

Há que se notar, ainda, nesta mesma página, que o nome do pesquisador que fora ilustrado saiu errado: trata-se de Alexander Almeida, não Alexandre Almeida. (Das quatro ilustrações até então, já é o terceiro problema envolvendo as legendas...)

Na pág. 63, um erro grave de informação: foi dito que o "I Simpósio Internacional Explorando as Fronteiras da Relação Mente e Cérebro" ocorreu em Juiz de Fora-MG, quando na realidade ele aconteceu em São Paulo-SP...

Analisemos agora os parágrafos finais da matéria (segunda coluna da pág. 65), os mais problemáticos.

Dizem os autores: "Desnecessário dizer que as pesquisas com reencarnação são severamente criticadas pela academia". Ora, isto simplesmente não faz sentido, uma vez que todos os pesquisadores citados na matéria fazem parte da academia! Agora, se tais pesquisas são criticadas por outros segmentos dela, e, mais, se são severamente criticadas, como dito, seria necessário, sim, dizê-lo, e de preferência citar os envolvidos. Por que não?... Curiosamente, isto não foi feito...

Em seguida, apontam dois "empecilhos" das pesquisas com crianças que relatam experiências de outra vida: tudo não passar de fraudes elaboradas entre as famílias envolvidas e, desconsiderando isso, o fato de que é comum os pesquisadores só terem acesso aos casos quando os pais da criança já encontraram a suposta família da outra vida dela, complicando a checagem das informações. Até aí, tudo bem. Porém, os redatores acrescentam: "Mais: por um lado, os informantes tendem a 'esquecer' as afirmações da criança que não coincidem com a vida da pessoa que acreditam que ela foi. Por outro, colocam na boca dela informações que só foram obtidas depois, quando as duas famílias já estavam em contato". Ora, com base em quê afirmam isso?... Colocações deste tipo exigem descrição clara dos recursos utilizados para embasá-las. Como nada foi dito a respeito, não podemos tomar tomá-las como reais dificuldades das pesquisas sobre reencarnação.

Fechando a matéria, os autores arrematam (destaques nossos): "Com tantas evidências contra, é difícil não acreditar que os pesquisadores de reencarnações, EQMs e afins se movam mais pela fé do que pela curiosidade científica. Mesmo assim, continua sendo uma forma de ciência, já que a busca é por resultados concretos. Se um dia eles vão chegar a esses resultados? Quem viver verá. E quem morrer também". Aqui, enumeraremos os problemas:

1- Só foram apresentadas duas dificuldades das pesquisas com crianças que dizem lembrar-se de vidas passadas (vide parágrafo anterior), e isto não endossa de forma alguma a afirmação de que os pesquisadores de reencarnações seriam movidos mais pela fé do que pela curiosidade científica. Dificuldades há em todos os campos de pesquisa.

2- Não bastasse o juízo completamente distorcido sobre pesquisadores de reencarnações, os responsáveis pela matéria tentaram aproveitar a deixa para colocar (sem qualquer argumento!) também os pesquisadores de "EQMs e afins" na classe de simples crédulos...

3- Por fim, ressaltamos que o trecho que foi destacado em itálico contradiz o próprio comentário do título da matéria (pág. 57, grifo nosso): "Espíritos existem? E reencarnação? Para alguns cientistas, sim. Pesquisadores sérios, do mundo todo, Brasil incluído, que buscam provas sobre a existência da alma. E eles já conseguiram resultados surpreendentes". Que coerência é essa? Só quem viver verá resultados concretos das pesquisas sobre reencarnação, EQMs e afins (pág. 65), ou os cientistas já conseguiram resultados surpreendentes a este respeito (pág. 57)?... Será que alguma "mão estranha" mexeu na reportagem antes de publicá-la? Suspeitamos que sim. O fecho da matéria impõe um discurso completamente alheio ao que vinha sendo feito até então, e não nos parece razoável que os próprios autores tenham se contradito dessa maneira.

Há um ano e meio atrás, terminamos nossa crítica da matéria sobre Chico Xavier na Superinteressante com a seguinte pergunta: "uma revista dessas é confiável?". Aqui, diremos apenas: seria preciso repetir a pergunta?...


Nota de 14/10/2011, às 22h02minEste artigo está publicado na última saída do Observatório da Imprensa, datada de 11/10 (veja-o aqui ou aqui), mas chegou a ser "despublicado" (!), devido ao fato de eu não ter aceito os "enxertos" impostos ao texto, o que foi-me avisado às 13:48 daquele dia, na pessoa de Luiz Egypto: "seu artigo foi 'despublicado' até que tenhamos tempo hábil para reavaliar os intertítulos que tanta espécie lhe causaram". Não questionei, pois, já que eles não queriam retirar os intertítulos que não eram de minha autoria, algo minimamente razoável em um órgão que prezasse pela ética jornalística, então seria melhor mesmo "despublicar" o artigo. Acontece que as poucas horas que o texto ficou exposto no OI em 11/10 (seção "Imprensa em Questão") foram suficientes para que ele fosse republicado em ao menos 3 blogs. Sendo assim, enviei às 2:41 de 12/10 uma mensagem ao Observatório pedindo que voltasse a tornar o artigo público e que ao menos dissesse explicitamente que os intertítulos não eram de minha autoria. Às 6:08 daquele dia recebo uma mensagem de Luiz Egypto dizendo que o artigo já estava novamente disponível ao público. O curioso, porém, é que os intertítulos haviam sido mudados... (Para ver o artigo como foi publicado originalmente no OI, observe sua reprodução no Guia Global aqui. Nota: infelizmente, o Guia, sem qualquer razão de ser, ilustrou o texto com a capa da Superinteressante de Abr/2010, o que poderá confundir leitores que travarem contato pela primeira vez com o artigo ali.) Sendo assim, em lugar da observação "Intertítulos do OI", que atualmente aparece anteposta ao artigo, deveríamos ter algo como "Intertítulos inseridos pelo OI e atualizados em 12/10/2011", pois a realidade é esta, e o leitor deveria saber! Falei sobre isso em uma mensagem enviada às 15:37 de 12/10 para Luiz Egypto e em uma mensagem enviada às 20:42 de ontem (13/10) diretamente para o Projor, órgão responsável pelo OI. Nada foi feito. Resumo da história: enviar artigos para o Observatório da Imprensa é furada. Eles metem a mão no seu texto, não avisam, e depois, com o artigo já reproduzido em outros locais, ainda remexem nos próprios "enxertos"! É de lascar...

Nota de 29/08/2012, às 18h59min: Na mesma mensagem enviada às 15:37 de 12/10/2011 para Luiz Egypto (mencionada acima), disse-lhe também que, no campo "Outros textos deste autor", não aparecia meu outro artigo publicado no OI (idêntico problema ocorria no mesmo campo do outro artigo). Como em 03/12/2011 constatei que os problemas não haviam sido corrigidos, tratei de contactar diretamente Andrea Baulé e Leila Sarmento, que constam aqui como responsáveis pela página do OI na Web. Não tendo obtido qualquer resposta e nada tendo sido feito até 10/12/2011, comuniquei novamente neste dia os problemas aos responsáveis pelo Observatório, através da opção "Fale conosco" da página do OI. Sem sucesso... Fiz o mesmo em 15/02/2012. Sem qualquer resultado... Até que resolvi contactar ontem (28/08/2012) o Dr. Caio Túlio Costa, que intercedeu por mim junto a Luiz Egypto para que resolvesse a demanda. E os problemas foram, finalmente, resolvidos!... Não é preciso pensar muito para perceber que tamanha despreocupação com o caso foi uma maneira de me "punir" pelas críticas mencionadas na nota acima. Fica a pergunta: tamanho melindre é condizente com uma entidade que se propõe a dar voz à sociedade civil na mídia?

terça-feira, maio 31, 2011

A crítica de uma crítica

Há exatamente 1 ano atrás enviei a alguns colegas e ao Instituto Cultural Kardecista de Santos (ICKS) meu artigo Sobre "A Física no Espiritismo", uma crítica ao trabalho A Física no Espiritismo, de Érika de Carvalho Bastone, apresentado no VIII Simpósio Brasileiro de Pensamento Espírita, ocorrido de 17 a 19 de outubro de 2003 em Santos-SP. Como recentemente descobri que este trabalho foi disponibilizado na Internet (aqui), sinto-me na obrigação de também disponibilizar meu artigo aos internautas. Para vê-lo, basta clicar no link abaixo.

Sobre "A Física no Espiritismo"

segunda-feira, abril 05, 2010

Pra quem leu a Superinteressante deste mês...

...Leia também meu artigo abaixo:

Sobre a matéria de capa da SUPERINTERESSANTE n. 277: Chico Xavier


José Edmar Arantes Ribeiro

Introdução

A última saída da revista SUPERINTERESSANTE teve a figura de Chico Xavier como tema de sua principal matéria, que segue da pág. 50 à pág. 59 do número em questão da revista, já referido no título deste artigo.
No índice do número da revista em questão, é afirmado, com relação à matéria em foco: “A SUPER foi a Minas Gerais descobrir como o médium virou um mito. Encontrou histórias de fé e de mistério – e alguns efeitos especiais”. Entretanto, como poderá ser visto em alguns dos itens que discutiremos na subseção “Leviandades” deste artigo, nenhuma pesquisa mais cuidadosa fora feita no sentido de embasar afirmações como a da existência de “efeitos especiais” envolvendo a fenomenologia de Chico Xavier.
Na seção “Escuta”, destinada a palavras do diretor de redação da revista, com o título “Com todo respeito”, Sérgio Gwercman nos diz: “Respeito você vai encontrar em cada página da reportagem escrita por Gisela Blanco (...) Porque o jornalismo existe nas perguntas (...) É assim que trabalhamos aqui na SUPER”. Infelizmente, não é verdade que encontramos respeito em cada página escrita por Gisela Blanco (basta ver a seção “Leviandades”, abaixo). Igualmente, não é verdade que a “SUPER” adotara o princípio do questionamento saudável na matéria em questão: a maior parte da reportagem é constituída de afirmações irresponsáveis, que buscam disfarçadamente, porém a todo custo, reduzir a figura de Chico Xavier a de um mistificador carismático.
Nas linhas que seguem analisaremos detalhadamente os problemas apresentados na reportagem em foco.

Análise

Os vários problemas apresentados na reportagem serão divididos, à título didático e por ordem de gravidade, em cinco classes: (1) Uma Colocação Fora de Contexto; (2) Um Boxe que Nada Explica; (3) Informações Erradas; (4) Conceitos Errados; (5) Leviandades.

Uma Colocação Fora de Contexto
Em meio às suas considerações sobre as repercussões no meio literário da obra Parnaso de Além-Túmulo, psicografada por Chico Xavier e atribuída a espíritos de poetas brasileiros e portugueses, a autora da matéria nos diz:
“A história dividiu o mundo da literatura. Alguns desconfiavam de que tudo não passava de uma fraude. A viúva de Humberto de Campos até tentou na Justiça, sem sucesso, levar os direitos autorais sobre as obras psicografadas do marido. Mas outros o defendiam. ‘Se Chico Xavier produziu tudo aquilo por conta própria, merece quantas cadeiras quiser na Academia Brasileira de Letras’, declarou Monteiro Lobato”. (Págs. 55-56)
O trecho sobre a viúva de Humberto de Campos está fora de contexto. Chico Xavier só começara a psicografar Humberto de Campos em 1935, três anos após a publicação do Parnaso. Além disso, o caso Humberto de Campos iria ocorrer somente em 1944, doze anos após a publicação do Parnaso! E mais: neste caso, a viúva pedia à Justiça um posicionamento justamente na decisão sobre a autenticidade das mensagens atribuídas à Humberto de Campos. Caso a decisão fosse favorável, a viúva acataria e exigiria os direitos autorais, de modo que este caso não serve para ilustrar a posição daqueles que consideravam que tudo não passava de fraude.

Um Boxe que Nada Explica
A autora, no boxe “A Ciência e Chico Xavier”, à pág. 56, após dizer que, para cientistas, a explicação da fenomenologia de Chico Xavier estaria em um meio-termo entre a fraude e a hipótese espírita, simplesmente aloca definições de psicose, epilepsia, criptomnésia e telepatia, sem apresentar quaisquer posições de cientistas de que os conceitos mencionados explicariam o caso Chico Xavier!... Não bastasse isso, duas de suas definições estão equivocadas, o que será discutido na seção “Conceitos Errados”, mais abaixo.

Informações Erradas
1. À pág. 51, a autora diz que a origem de toda a história do fenômeno Chico Xavier foram as cartas dos mortos, e nas páginas seguintes (até a pág. 55) ilustra a afirmação com episódios de pessoas que teriam recebido cartas de seus filhos ou irmãos falecidos. Errado! Chico Xavier começou escrevendo versos de poetas brasileiros e portugueses mortos, que apareceram em Parnaso de Além-Túmulo, obra publicada em 1932 pela Federação Espírita Brasileira que chamou a atenção de vários intelectuais brasileiros pelo estilo dos poemas, fiel ao dos autores aos quais eles eram atribuídos.
2. À pág. 54, é dito que Waldo Vieira fundara um centro de estudos religiosos em Foz do Iguaçu. Errado! O centro fundado por Waldo Vieira é voltado ao estudo da consciência, e não tem caráter religioso.
3. À pág. 56, Gisela Blanco escreve o seguinte:
“O que você veria se estivesse na plateia de Chico Xavier na década de 1940? Pra começar, um médium sentado em frente a uma cortina, a cerca de 10 metros dos espectadores. (...) Lentamente, vultos brancos apareceriam – os médiuns explicavam que eram espíritos que haviam se materializado”.
Errado! Primeiramente, ao que nos consta, Chico Xavier somente iniciara sua participação como médium de materializações no fim da década de 40, e de forma esporádica, deixando de atuar como tal em 1953. Depois, nas sessões de materialização, não eram os médiuns que explicavam que os vultos eram espíritos materializados: isto podia ser deduzido pelos próprios espectadores.
4. À pág. 57, a autora escreve, referindo-se com ironia aos fenômenos de materialização envolvendo Chico Xavier: “Com shows como esses, Chico foi ficando famoso, graças a reportagens como uma publicada em 1944 por O Cruzeiro (...)”. Errado! A reportagem publicada em 1944 pela O Cruzeiro não tratou de fenômenos de materialização envolvendo Chico Xavier. E nem poderia! Nesta época Chico Xavier não atuava como médium para este tipo de fenômeno.

Conceitos Errados
1. No final da seção em que a autora trata das cartas de falecidos enviadas a parentes próximos através de Chico Xavier, fenômeno que erroneamente (vide item 1 de nossa seção anterior) fora considerado dentre as primeiras manifestações mediúnicas de Chico Xavier, a autora nos diz o seguinte: “(...) A verdadeira polêmica surgiria no outro filão do médium: os romances” (pág. 55). Entretanto, se lermos os parágrafos seguintes da nova seção (“A Polêmica”), verificaremos que ali o assunto tratado é o livro Parnaso de Além-Túmulo, que é constituído de... poemas e poesias. A autora parece não saber o que é um “romance”...
2. À pág. 56, a autora enfeixou sob o termo “psicose” todos os quadros ditos dissociativos, o que não é aceito pela Associação Americana de Psiquiatria desde 1994 (vide Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders), e também considerou “criptomnésia” como um distúrbio da memória, quando não há qualquer razão para categorizar este fenômeno, genericamente, como “distúrbio”.
3. Sobre o fenômeno da materialização de espíritos, a autora, Gisela Blanco, às páginas 56-57, escreve o seguinte:
“Registre-se: materializar uma pessoa, ou fazer surgir massa do nada equivalente a um homem de 70 quilos, não seria tarefa fácil. Seria necessário produzir um total de energia duas vezes maior do que é hoje produzido pela hidrelétrica de Itaipu por ano, segundo os cálculos feitos por especialistas e exibidos por reportagens sobre Chico nos anos 70”.
Aqui, a autora mistura alhos com bugalhos. O processo de materialização de espíritos não está relacionado à produção de matéria “do nada”. Segundo informações dos próprios espíritos, aceitas e de certa forma já verificadas por pesquisadores da fenomenologia espírita como o russo Alexandre Aksakof (1832-1903), o italiano Ernesto Bozzano (1862-1943) e o brasileiro R. A. Ranieri (1919-1989), o referido processo se daria à custa da “desmaterialização” do médium (em maior escala) e dos participantes das sessões (em menor escala).

Leviandades
1. Em caixa alta na primeira página da reportagem (pág. 50), a autora do texto, Gisela Blanco, nos diz que fora o mito Chico Xavier que fizera brasileiros de todos os credos acreditarem em vida após a morte, que mudara a vida de famílias desconsoladas e que colocara a Ciência em busca de respostas para seus fenômenos. A matéria, entretanto, não dá subsídios para tal afirmação. Fora o homem Chico Xavier o responsável por tudo aquilo.
2. Às págs. 52-53, lemos o seguinte (grifo nosso): “(...) Célia representa o público cativo de Chico: as mães. Atrás de notícias dos filhos mortos, elas compareciam em massa nos dois centros que Chico teve (...)”. Aqui a autora procura imputar um caráter de sedutor ou algo do tipo a Chico Xavier. Pura leviandade.
3. À pág. 54, vemos em letras garrafais: “Show de materialização de espíritos e truques para incrementar as sessões de psicografia. O lado pirotécnico de Chico Xavier provocou desconfiança”. Além do comentário estar desvinculado do assunto tratado nas páginas 54-55, a autora desconhece, ou finge desconhecer, que as sessões de materialização não tinham qualquer conotação de espetáculo. Além disso, levianamente, afirma que Chico usara de truques em suas sessões de psicografia, sem ao menos discutir mais amplamente a questão ao longo do texto sobre o assunto, às páginas 56-57, apenas fazendo referência ao caso de um fotógrafo da revista Realidade que, em 1971, teria visto um assessor de Chico Xavier borrifar perfume no ar...
4. À pág. 56, Gisela Blanco nos diz que a desconfiança dos críticos de Parnaso de Além-Túmulo tinha razão de ser:
“Apesar de não ter ido longe na escola, Chico foi autodidata e leitor voraz durante toda a vida. Colecionou cadernos com recortes de textos e poesias. Comprou livros de sebos em São Paulo. Em sua biblioteca, preservada até hoje em Uberaba, há mais de 500 livros e revistas, com obras em inglês, francês e até hebraico. A lista inclui volumes de autores cujo espírito o teria procurado para escrever suas obras póstumas, como Castro Alves e Humberto de Campos”.
Mas tem o seguinte: leitor voraz ou não, a autora deixa de revelar, talvez propositadamente, que a biblioteca de Chico Xavier, que ela afirma ter mais de 500 livros e revistas, foi constituída ao longo de toda a vida do médium mineiro, de 92 anos, e que inclui os mais de 400 livros que ele próprio psicografou!... Além disso, o trecho está fora de contexto, pois o tema tratado era Parnaso de Além-Túmulo, primeiro livro de Chico Xavier, muito anterior à biblioteca que ele viria a formar.
5. Ainda à pág. 56, após dizer que das investidas da imprensa Chico Xavier não escaparia (“Eles queriam explicações não só para a linha direta que Chico dizia ter com as celebridades do outro lado, mas também para alguns shows que o médium andava fazendo por aí”), a autora inicia uma subseção com o título “A pirotecnia”, sempre procurando incutir um tom humorístico à sua reportagem. O curioso é que Gisela Blanco fala nesta subseção de uma reportagem de 1944 da revista O Cruzeiro, de uma denúncia de Chico Xavier por um sobrinho e sobre o programa Pinga-Fogo de 1971 do qual Chico participara. Estes tópicos, porém, nada tem a ver com o que ela denomina “pirotecnia”. Pirotécnica parece-nos a falta de clareza da autora...
6. Ainda sobre as sessões de materialização de espíritos envolvendo Chico Xavier, à página 56 encontramos: “Os personagens principais da noite eram médiuns de outras cidades, acostumados a rodar o país com seus shows”. Como já afirmado no item 3 acima, as sessões de materialização não objetivavam meras mostras espetaculares.
7. À pág. 57, a autora escreve:
“(...) Acuado pelas críticas na Pedro Leopoldo de 15 mil habitantes, Chico resolveu fazer as malas e partir para Uberaba, um pólo do espiritismo onde contaria com o apoio de amigos. Mas não adiantou muito. A imprensa seguiu na cola. Em 1971 (...)”
Chico Xavier não saíra “fugido” de Pedro Leopoldo, em decorrência de críticas, como o trecho acima parece indicar. Além disso, ao ilustrar como a imprensa seguiu “na cola” de Chico após sua mudança para Uberaba, ocorrida em 1959, a autora cita uma reportagem de 1971, doze anos após... Se pesquisasse melhor, poderia encontrar uma reportagem anterior muito mais ilustrativa ao seu objetivo de denegrir Chico Xavier, como a publicada em uma das edições da revista O Cruzeiro de 1964.
8. Ainda à pág. 57, referindo-se à participação de Chico Xavier em 1971 do programa Pinga-Fogo, da TV Tupi, a autora escreve: “Por quase 3 horas, o médium foi bombardeado por perguntas. Mas se safou”. Ora, safar-se é esquivar-se, escapulir-se, fugir. Assim referindo-se à atuação de Chico Xavier no Pinga-Fogo, a autora parte do pressuposto de que ele teria algo a esconder. Lamentável! Muita falta de imparcialidade.
9. À pág. 58, em garrafais (recurso comum utilizado na reportagem para escancarar as leviandades da autora), lemos: “Órfão maltratado na infância, um piadista quando adulto, vítima de uma série de doenças na velhice. Não foi à toa que Chico Xavier conquistou a compaixão de todo o país”. Esta tentativa de desqualificar o real trabalho de Chico Xavier, imensurável, tanto no campo do assistencialismo espiritual quanto material, não foi bem-sucedida. Desde quando ser piadista conquista a compaixão das pessoas? Será que os responsáveis pela matéria não sabem o que significa “compaixão”?...
10. À pág. 59, a autora escreve: “Uma imagem captada pela TV Globo mostrou um raio de sol entrando no quarto do medium [sic] exatamente no dia em que Chico teve uma melhora repentina”. Seria mesmo um raio de sol? Cadê as fontes que atestam isto?
11. Também à pág. 59, última do artigo, arrematando o festival de imprudência exibido ao longo de suas páginas, lemos no boxe “A Indústria de Chico Xavier”:
Dieta do Chico Xavier: revista dos anos 80 publicavam o ritual – meio copo de água pela manhã, com grãos de arroz dentro do copo representando o número de quilos que se quer perder”.
Aqui, a matéria procura imputar um caráter ridículo à figura de Chico Xavier e tenta, sorrateiramente, ludibriar o leitor, que poderia pensar que tal dieta fora realmente prescrita pelo médium mineiro, o que não é verdade.

Conclusão

Acreditamos ter deixado claro, pelas considerações acima, que a reportagem “Chico Xavier”, veiculada na revista SUPERINTERESSANTE deste mês de abril de 2010 (n. 277), deixa a desejar em quatro aspectos do labor jornalístico de imprensa: ético (vide seção “Leviandades”), cultural (vide seção “Conceitos Errados”), investigativo (vide seção “Informações Erradas” e itens 7 e 10 da seção “Leviandades”) e redacional (vide a “Introdução”, as seções “Um Boxe que nada Explica” e “Uma Colocação Fora de Contexto”, e também os itens 4, 5, 9 e 10 da seção “Leviandades”), e nada mais temos a acrescentar. Como conclusão, apenas uma pergunta: uma revista dessas é confiável?... 
 
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[NOTA de 13/04/10: O artigo acima saiu na seção "Feitos & Desfeitas" do Observatório da Imprensa n. 585, de hoje, 13/04/10 (aqui). Veja lá! Sobre os pontos mencionados no artigo, aproveito aqui para mencionar mais quatro (três informações erradas e uma leviandade), notados quando ele já havia sido submetido ao OI:
1- À pág. 54, é dito que Waldo Vieira dividira o trabalho em seu centro em Uberaba com Chico de 1955 a 1969. Errado! O período correto é 1959-1966.
2- À pág. 55, é dito que os poemas de Parnaso de Além-Túmulo foram reconhecidos à sua época como "razoavelmente fiéis ao estilo dos autores" que os assinavam, mas isto não é bem verdade. Eles foram reconhecidos como "muito fiéis", conforme pode ser visto da opinião de Agrippino Grieco, então acadêmico da Academia Brasileira de Letras, na obra A Psicografia Ante os Tribunais, de Miguel Timponi.
3- À pág. 59, é dito que o nome do filme sobre Chico Xavier que estrearia neste mês de abril era As Vidas de Chico Xavier, quando na realidade seu nome é Chico Xavier - O Filme.
4- Nessa mesma página, no item "Para Saber Mais", foi dado como referência o livro The Psychic Mafia, que trata das fraudes cometidas por um ex-mágico comentadas pelo mesmo, induzindo o leitor a pensar que Chico usara também de truques de mágica. Mais uma dentre as tantas leviandades de Gisela Blanco, autora da matéria.]

[NOTA de 14/04/10: Foi suprimido um trecho equivocado do artigo acima.]

[NOTA de 12/05/10: Além dos pontos mencionados na nota de 13/04/10, no item 3 da seção "Informações Erradas" do artigo, como referência, eu deveria também ter mencionado o livro As Vidas de Chico Xavier, do jornalista Marcel Souto Maior, onde as citadas datas aparecem.]