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domingo, outubro 29, 2023

N. A. Molina, um prolixo autor

Pouco sei do autor N. A. Molina, que escreveu sobre feitiçaria, umbanda, quimbanda e cultura popular, além de que nascera em 1931, dado obtido de pesquisas realizadas no Catálogo de Livros da Biblioteca Nacional em 28/01/2013. Suas obras começaram a ser publicadas na década de 1970, pela Editora Espiritualista Ltda., que lançou todas elas. Iniciei ainda em 2013 um levantamento dos livros dele, atualizado de tempos em tempos. Até o momento (data-base: 30/10/2023), foram encontradas 53 obras, algumas delas integrantes de coleções, como a Coleção 7 e a Coleção Saravá. Abaixo, a relação dos livros desta última coleção que encontrei até então, não necessariamente em ordem de publicação:
1- Exu
2- Ogum
3- Oxum
4- Oxóce
5- Xangô
6- Inhasã
7- Ibeijada
8- Iemanjá
9- Obaluaiê
10- Seu Tiriri
11- Pomba Gira
12- Seu Marabô
13- Seu Caveira
14- Maria Padilha
15- O Povo d'Água
16- Seu Zé Pelintra
17- Seu Tranca Ruas
18- A Linha das Almas
19- O Rei das Sete Encruzilhadas

Outros livros que Molina escreveu sobre umbanda/quimbanda:
-- "Formação e cruzamento de terreiros de umbanda"
-- "Feitiços de preto velho"
-- "Feitiços de um preto velho quimbandeiro"
-- "Trabalhos de um preto velho feiticeiro"
-- "Como fazer e desmanchar trabalhos de quimbanda"
-- "Trabalhos de quimbanda na força de um preto velho"
-- "Despachos e trabalhos de quimbanda"

sexta-feira, junho 04, 2021

Autores umbandistas e suas autocontradições

É pena que com o ingresso de letrados metidos a escritores no universo umbandista a coisa tenha perdido sua simplicidade original e se transformado numa confusão só. Já os primeiros autores que escreveram sobre o assunto não se entendiam (vide aqui). Aliás, eram até autocontraditórios! Além de Lourenço Braga, autor cuja obra principal tivemos oportunidade de analisar em outra ocasião (vide link fornecido), há outros. Vejamos.

Emanuel Zespo, em "O que é a umbanda?" (2a. ed., 1949), à pág. 47 diz: (...) convidamos os kardecistas a visitar sessões e terreiros de Umbanda onde "baixam" os Grandes Orixás. Mas na nota 8 do cap. II (pág. 36) havia dito: O supremo Xangô, como sucede com os demais Grandes Orixás africanos, "não baixa" à terra... Ora, os ditos "Grandes Orixás" baixam ou não?

Oliveira Magno, à pág. 18 de "A umbanda esotérica e iniciática" (1950), diz: (...) Mìsticamente, os Orixás representam legiões de espíritos sob a regência ou o comando de um espírito chefe (...) ou seja, as sete linhas, ou melhor, o Setenário nagô com a sua correspondência.

Adiante, porém, na pág. 41:
(...) Oxalá, Iêmanja, Ogun, Oxosse, Xangô, Oxun, Omulu, nomes êsses dados às sete legiões de espíritos governantes dos sete dias da semana. Chamamos a atenção que esta denominação não significa ôrixás mas, sim, nomes êsses dados a cada uma das legiões (ou linhas) que constituem o Setenário nagô.
Vai entender...

Em 1953 veio a lume a obra de Aluizio Fontenelle "A umbanda através dos séculos". À pág. 159 da 5a. edição, consta a seguinte polêmica afirmação do autor:
Sobre essa Umbanda comum que se pratica nos inúmeros terreiros do Brasil, essa Umbanda mistificada e misturada aos credos fetichistas conhecidos com os nomes de Candoblé, Cangerês, Quimbanda etc., estou de pleno acordo com a divisão da mesma em sete (7) linhas; entretanto, segundo as comunicações que me foram dadas por entidades do Astral, trabalhadores das falanges de pretos velhos, caboclos, hindus, e até mesmo pelos próprios EXUS, já essa divisão sofre uma severa modificação (grifei).
À pág. 161, porém, ao comentar sobre sua divisão, diz: Pelo exposto, o REINO DE OBATALÁ comanda sete cortes, as quais, por sua vez, comandam as 7 linhas de Umbanda (...).

Ou seja, a divisão da umbanda em sete linhas "sofre uma severa modificação" e continua em sete linhas (?!).

Da pág. 10 de "As impressionantes cerimônias da umbanda" (1955), obra de Byron Torres de Freitas e Tancredo da Silva Pinto, depreende-se que Oxalá seria apenas o nome de uma linha de umbanda, contradizendo o que consta na pág. 7: "... Oxalá, o filho de Deus ..." (Jesus). Na mesma pág. 10, é dito que o chefe da falange de Oxalá (Oxalás seria mais apropriado, conforme contexto), ou seja, o orixá maior desta falange, de nome Oxalá Alufân, "baixaria" nos terreiros de 21 em 21 anos, mas foi dito na pág. 9 que os grandes orixás não baixam à terra...

O já citado Emanuel Zespo, à pág. 63 de "Codificação da Lei de Umbanda - parte científica e parte prática" (1960), diz que orixá "é uma entidade do plano invisível que jamais encarnou entre humanos" (grifei). À pág. 140, porém, ele zomba dessa ideia! Vejam: "orixás são, antes e acima de tudo, fôrças da natureza, princípios criadores ou destruidores, sòmente personalizáveis na imaginação do homem sempre pronto a pensar num Deus barbudo e velho, qual o Padre Eterno dos católicos" (grifei). Pode isso, Adirso?!

José Paiva de Oliveira, apesar de afirmar, às págs. 54 e 56 de "Os orixás africanos na umbanda", que a correlação de tais divindades com santos católicos apenas se deu como forma dos sacerdotes africanos vindos ao Brasil como escravos fugirem à perseguição religiosa de seus senhores, católicos, ou seja, como forma de disfarce, às págs. 103 e 105 do mesmo livro "escorrega", considerando Jesus Cristo e São Cosme e São Damião como orixás propriamente ditos, o primeiro identificado com Oxalá, e os outros dois com Ibeji.

Nota: A abertura deste post foi alterada em 04/10/2023 e um outro autor contraditório foi acrescentado em 08/11/2023

sexta-feira, janeiro 29, 2021

Uma citação falsificada por um intelectual de umbanda

Diamantino Coelho Fernandes foi uma das figuras-chave no trabalho de validação da umbanda perante a sociedade. Tendo sido um dos organizadores do Primeiro Congresso Brasileiro de Espiritismo de Umbanda, ocorrido no Rio de Janeiro em 1941, suas duas teses ali apresentadas esbanjam erudição. Certo ponto porém de seu trabalho "O espiritismo de umbanda na evolução dos povos" nos chamou a atenção:
Trouxeram a Umbanda, no recôndito de suas almas atribuladas de escravos, vendidos como mercadoria de feira aos grão-senhores do Brasil, os primeiros sudaneses e bantus que aqui chegaram cerca do ano de 1530, procedentes de Angola, da Costa dos Escravos, do Congo, da Costa do Ouro, do Sudão e de Moçambique (Edison Carneiro, Religiões negras, Civilização Brasileira, 1936).
Isto não consta na obra referenciada! O autor simplesmente falsificou a autoria do trecho para tentar dar credibilidade à informação ali contida. (Edison Carneiro foi um respeitado etnólogo brasileiro.)

Nota: Diamantino Coelho Fernandes já havia se desvinculado da umbanda no fim da década de 1940, tornando-se então um dos propagandistas da obra Vida de Jesus ditada por Ele Mesmo e da "corrente vibratória" Círculo Espiritual do Amor de Jesus, acreditando "cumprir instruções recebidas através de luminoso mensageiro de Jesus". Na década de 1960 começou a publicar títulos como suposto médium de espíritos da envergadura de Maria de Nazareth, por exemplo. Acreditava-se a reencarnação do Apóstolo Thiago. Em fevereiro de 1970, "por determinação do Senhor Jesus" mediado pelo espírito do Apóstolo Thomé, trouxe à Terra a Nova Ordem de Jesus, "instituição espiritualista, beneficente e cultural"...

segunda-feira, junho 08, 2020

Curiosidade editorial sobre "O Atalho" (Luciano dos Anjos, Publicações Lachâtre, 1995)

Logo que tomei em mãos O Atalho, obra de Luciano dos Anjos impressa em março de 1995, conforme página de dados editoriais, me intriguei com duas informações aparentemente destoantes, também constantes ali: a catalogação-na-fonte registra o ano 1993, mas o copyright é de 1994... O fato da última folha do livro ser colada na terceira capa também me intrigou. Explicação para tudo isso: já com a obra catalogada (ano: 1993, 328 p.), e portanto pronta para ser impressa, Luciano tratou de continuar a modificá-la... Coisa incrível! Ao contrário do que é explicitamente afirmado no Posfácio (datado de março de 1991), a revisão final não terminara naquela data. Basta ver que na Bilbiografia é citada, por exemplo, a referência Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 26.01.1995... Ou seja, é falso que o copyright da obra seja de 1994. Vale ressaltar também que as alterações levadas a cabo por dos Anjos resultaram em uma diminuição do número de páginas (de 328 para 326). Então, para que a obra permanecesse concorde com o registro, a editora, miserável, em lugar de criar uma folha extra para colocar o colofão no verso, tratou de indexar a primeira página do Sumário como p. 9 (na realidade é p. 7), resultando na última página, que apresentou o colofão, numerada como 328 (na realidade é 326)... E, como 326 não é um múltiplo de 4 (condição necessária para a formação dos "cadernos" de um livro), a última folha precisou ser colada na terceira capa!

segunda-feira, junho 01, 2020

As sete linhas de umbanda, um reino de confusão

(Edmar Arantes)

Sob o nome "umbanda" os mais diversos sistemas de cultos religiosos foram e são albergados. Considerando sempre um setenário imaginativo (as ditas "linhas", com nomes e cores características), sem respaldo factual, a encontrar guarida apenas em mentes afeitas a encantos numerológicos (o 7 é sempre muito querido), já os primeiros autores que abordaram doutrinariamente o assunto foram incoerentes entre si. Era de se esperar. Sendo mero exercício de imaginação a qualificação de tais linhas, cada um tratou de exercê-lo a seu modo...

Aqui, neste texto, exporemos as classificações descritas por quatro autores que fizeram escola nas décadas de 30, 40, 50 e 60 do século passado: Leal de Souza, Lourenço Braga, Yokaanam e W. W. da Matta e Silva.

Leal de Souza

Tornou-se umbandista por suas visitas à Tenda Espírita Nossa Senhora da Piedade, localizada em Neves (bairro de São Gonçalo fronteiriço com Niterói/RJ) e então dirigida por Zélio de Moraes, considerado por alguns desavisados o "fundador da Umbanda" (vale perguntar: qual delas?). Simpatizou com a religião. Já então médium e dirigente espiritual (portanto, "entendido" do assunto), foi o primeiro autor a abordar em livro a doutrina umbandista, publicando a obra O Espiritismo, a Magia e as Sete Linhas de Umbanda em 1933, compilação de suas matérias no Diário de Notícias no ano anterior, nas quais dissertava sobre os assuntos mencionados no título do livro.

Logo no início da obra, o autor faz a seguinte afirmação disparatada: "O espiritismo de linha compreende, pelo menos, 99 subdivisões, ou linhas" (p. 12)... Carecia perguntar: É mesmo?! E tu constatou isso como? Rir pra não chorar.

No cap. XVIII, de Souza diz que a Linha Branca de Umbanda compreendia sete linhas (!), uma delas transversa (!!), que faria ligação com a Linha Negra... Lourenço Braga, autor que abordaremos em sequência, em sua obra Umbanda (magia branca) e Quimbanda (magia negra) fez a seguinte pertinente consideração quanto a isso:

Se chamarmos a Lei de Umbanda de Linha de Umbanda, que nome então daremos às sete linhas em que a Umbanda se divide, tais como sejam: Linha de Xangô, Linha de Ogum, Linha de Iemanjá, etc.? (pp. 24-25)

As sete divisões da "Linha Branca de Umbanda", segundo Leal de Souza, seriam as seguintes:
1- Linha de Oxalá, Nosso Senhor do Bonfim (Jesus Cristo). Cor característica: branco
2- Linha de Ogum, São Jorge. Cor característica: vermelho
3- Linha de Euxoce (Oxóssi), São Sebastião. Cor característica: verde
4- Linha de Xangô, São Jerônimo. Cor característica: roxo
5- Linha de Nha-San (Iansã), Santa Bárbara. Cor característica: amarelo
6- Linha de Amanjar (Iemanjá), N. Sra. da Conceição (Virgem Maria). Cor característica: azul
7- Linha de Santo ou das Almas, que não teria entidade católica como dirigente nem cor característica, sendo uma linha "transversa", que faria ligação com a Linha Negra

Já não bastasse o "apelidamento" de santos católicos com nomes de orixás africanos, o que de Souza "explica" dizendo que se trata dos nomes de tais santos na "língua de umbanda" (?!), no cap. XXI da obra ele vai além no disparate, referindo-se a orixás não como os chefes das linhas, mas como os vinte e um subordinados diretos de cada um deles... (nota de 09/06/2021)

Lourenço Braga

Publica em 1942, pela Livraria Jacintho, Umbanda (magia branca) e Quimbanda (magia negra). Sem citar nomes, faz uma explícita crítica à divisão de Leal de Souza:

(...) Não confundam a "Linha de Oxalá ou de Santo", de Umbanda, com a "Linha das Almas", que é da Quimbanda. A Linha das Almas é chefiada por Umulum, dono dos cemitérios! E Inhaçã não é linha, é uma "legião" pertencente à Linha de Xangô! (p. 35)

É curioso, no entanto, que, apesar de ter ressaltado no trecho acima transcrito que "Inhaçã" não é linha (Braga usa também a palavra "povo" como sinônimo), na p. 62 ele considera, sim, Inhaçã como linha, ressaltando ainda que a oferenda para este povo seria vinho fino, enquanto que para o de Xangô seria cerveja preta...

Segundo Braga, a "Lei de Umbanda" se dividiria nas seguintes linhas:
1- Linha de Santo ou de Oxalá, dirigida por Jesus Cristo
2- Linha de Iamanjá (Iemanjá), dirigida pela Virgem Maria
3- Linha do Oriente, dirigida por São João Batista
4- Linha de Oxoce (Oxóssi), dirigida por São Sebastião
5- Linha de Xangô, dirigida por São Jerônimo
6- Linha de Ogum, dirigida por São Jorge
7- Linha Africana, dirigida por São Cipriano

É de se notar que o autor não esclareceu a qual "São Cipriano" ele se referia (há quatro). Este ponto foi também observado por Matta e Silva em sua obra Umbanda de Todos Nós (ver pp. 101-102 da 3a. edição, de 1969).

Braga inova ao propor que cada uma destas 7 linhas seria também dividida em sete, totalizando assim 49 "legiões", o mesmo acontecendo para as 7 linhas da "Lei de Quimbanda". Nomeando as 7 linhas da "Lei de Umbanda", suas legiões, as 7 linhas da "Lei de Quimbanda" e ainda fornecendo nomes de vários "exus", o autor chega a cerca de 100 denominações! Haja imaginação...

Mais tarde, em 1956, publica, pela Editôra Souza, Umbanda e Quimbanda - volume 2, mudando o nome das linhas e de seus dirigentes. Dando outra direção ao seu viés imaginativo, redenomina a Linha de Santo ou de Oxalá para "Linha de Oxalá ou das Almas" (em sua versão anterior ele havia frisado que a Linha das Almas era da Quimbanda), muda os dirigentes das linhas de Iemanjá, do Oriente, de Oxóssi, de Xangô e de Ogum, que na "realidade" seriam dirigidas, respectivamente, pelos arcanjos Gabriel, Rafael, Zadiel, Orifiel e Samael, e substitui a Linha Africana pela "Linha dos Mistérios ou Encantamentos", que seria dirigida pelo arcanjo Anael. (Vide História da Umbanda, Alexandre Cumino, Ed. Madras, 2010, pp. 374-375.) Poderíamos dizer: esse não bate bem, não!

Yokaanam

Em 1952 publica Evangelho de Umbanda. Nesta obra as sete linhas são apresentadas da seguinte maneira:
1- Linha de S. João Batista (Xangô-Kaô, ou Xangô Maior). Cor característica: rosa
2- Linha de Sta. Catarina de Alexandria (Yanci). Cor característica: azul
3- Linha de Custódio (anjo), "diretor" de Cosme e Damião (Ibejês). Cor característica: branco
4- Linha de S. Sebastião (Oxoce). Cor característica: verde
5- Linha de S. Jorge (Ogum). Cor característica: vermelho escarlate
6- Linha de S. Jerônimo (Xangô). Cor característica: roxo-violeta
7- Linha de S. Lázaro (Ogum de Lei). Cor característica: amarelo

O primeiro ponto que nos salta à vista é a colocação de um anjo na mesma classe de santos católicos. Outro ponto é a utilização de "espécies" na mesma classe de "gêneros". Assim, Xangô-Kaô (um dos tipos de Xangô) estaria nivelado com o próprio Xangô, e Ogum de Lei (um dos tipos de Ogum) com o próprio Ogum. Absoluta falta de sistemática. Matta e Silva, autor que abordaremos em sequência, comentaria sobre isso em sua obra Umbanda de Todos Nós:

Esta é uma das concepções correntes mais chocantes, porque nota-se a completa falta de conhecimentos de base sobre Lei de Umbanda e fere nossa lógica, quando vemos seis Santos em paralelo com um anjo ou arcanjo, dirigindo as legiões, grupos ou linhas... Dizemos chocante ainda, porque assim como arranjaram o anjo Custódio que, pela hierarquia conhecida, em sua condição, deve estar acima dos Santos, substituíram também N. S. da Conceição (uma das concepções da Virgem Maria, que dizem ser Yemanjá), por Santa Catarina de Alexandria (Yanci), que asseveram atualmente estar no comando (desde quando? Como se passou este fato transcendental de que os outros mortais de fé não tiveram conhecimento até hoje?). E, para finalizar os "considerando" sobre esta concepção, verificamos mais que repartiram a direção da Linha de Ogum para dois Santos (S. Jorge e S. Lázaro): o primeiro é Ogum de Lei e o segundo, simplesmente Ogum... Nesta mágica, estão S. Jerônimo que é Xangô apenas ou Deus que habita os mistérios e S. João Batista, que é Xangô também, mas Kaô ou ainda Xangô Maior (p. 104 da 3a. edição, de 1969)

Concluindo com uma sensata consideração:

Cremos ser impossível penetrar no complexo da criatura que engendrou semelhantes legiões que, por certo, irá ainda mais confundir ou embaralhar esta Umbanda de todos nós, ainda tão incompreendida, perseguida e detratada! E quem, inteirando-se de mais este sincretismo, não terá um sorriso de ironia e de descrença? (p. 105)

Como bom codificador da religião, Yokaanam não poderia deixar de turbinar sua viagem imaginativa. Assim, para ele, "Umbanda" seria proveniente de "Um" (Deus) + "banda" (legião, exército). Legal demais, não?!

W. W. da Matta e Silva

Publica em 1956 Umbanda de Todos Nós, obra que fez grande sucesso, cuja 2a. edição, bastante aumentada, foi publicada em 1960 pela Livraria Freitas Bastos (sobre esta livraria-editora, vide aqui). O autor dissocia os termos "Oxalá", "Iemanjá", "Xangô", "Ogum" e "Oxóssi" (nomes de orixás africanos) de figuras do hagiológio católico1, dizendo que, na realidade, tais termos, juntamente com Yori e Yorimá, designariam as sete "Vibrações Originais" (p. 59 da 3a. edição, de 1969), emanadas pelos sete "Espíritos de Deus" (p. 56 da mesma edição), e reconceitua orixá como sendo qualquer dos espíritos dentre os chefes de legiões, de falanges e de subfalanges em cada linha (pp. 88 e 209)...

Propõe a seguinte classificação para as linhas da "Lei de Umbanda":
1- Linha de Oxalá, o Princípio, o Incriado, o Reflexo de Deus. Cores características: branco e amarelo-ouro
2- Linha de Yemanjá, a Divina Mãe, o Eterno Feminino, a Divindade da Fecundação. Cores características: amarelo e prateado
3- Linha de Xangô, o Ser Existente, o Dirigente das Almas, o Senhor da Balança. Cor característica: verde
4- Linha de Ogum, o Fogo da Salvação ou da Glória. Cor característica: alaranjado
5- Linha de Oxosi, a Ação Envolvente ou Circular dos Viventes da Terra. Cor característica: azul
6- Linha de Yori, a Potência em Ação da Luz Reinante. Cor característica: vermelho
7- Linha de Yorimá, a Potência da Palavra da Lei. Cor característica: violeta

Bem se vê que o autor não estava de brincadeira em seu exercício imaginativo... E não é só! Seguindo os devaneios numerológicos e nominais de Lourenço Braga, também afirma que cada uma destas 7 linhas seria dividida em sete, totalizando 49 legiões, o mesmo ocorrendo quanto às 7 linhas da Quimbanda. Nomeando tudo isso, Matta e Silva chega a mais de 100 denominações, só que com muitos nomes diferentes daqueles utilizados pelo autor de Umbanda (magia branca) e Quimbanda (magia negra)... Você, leitor, ficaria com qual conjunto de nomes? É questão de gosto, pois de realidade não há nem sinal.

No quesito imaginação, Matta e Silva superou a grande maioria dos autores umbandistas que o antecederam (perde talvez para Aluizio Fontenelle) e todos que o sucederam. Tudo feito de forma muito sistemática. Pois bem. Não bastasse o que já mostramos em uma postagem anterior deste mesmo blog2 e o que expusemos acima, há mais... Para o autor, "Umbanda" seria um termo "místico, litúrgico, sagrado, vibrado, cuja origem se encontra naquele alfabeto primitivo que os próprios Bhramas desconheciam a essência" (p. 31 da 3a. edição de Umbanda de Todos Nós), o mesmo se aplicando aos nomes das linhas (p. 60); "Umbanda" significaria conjunto das leis de Deus, uma vez que proviria de "Um" (Deus) + "ban" (conjunto) + "da" (lei) (p. 38); e por aí vai... Mas paremos por aqui.

_________________________
1- Antes dele, Oliveira Magno já havia feito o mesmo (vide Umbanda esotérica e iniciática, 1950). Este autor, entretanto, cometeu erro histórico ao afirmar que os nomes Oxalá, Xangô, etc. seriam provenientes de um "setenário nagô", algo que nunca existiu.
2- https://jedarib.blogspot.com/2018/10/as-viagens-de-matta-e-silva.html

terça-feira, outubro 30, 2018

As "viagens" de Matta e Silva

(Edmar Arantes)

A primeira vez que ouvi falar sobre o escritor umbandista W. W. da Matta e Silva (1917-1988) foi através do extinto site Aumbhandam (aumbhandam.org.br), lá pelos idos de 2003. Anos depois, creio que em meados de 2008, lendo rasgados elogios do Marcelo Del Debbio ao "mestre", renovado interesse em conhecer a doutrina de Matta e Silva invadiu-me. Mas só fui travar contato direto com uma obra dele no início de 2013, quando então adquiri a 3a. edição (a definitiva, de 1969) de seu aclamado livro "Umbanda de todos nós".

Que decepção!...

Logo na apresentação da obra já observamos vislumbres dos despautérios que se seguiriam.

Por exemplo, pondo-se acima do Bem e do Mal, e colocando o que ele chama de Umbanda (ou Lei de Umbanda) como o non plus ultra em termos religiosos, Matta e Silva faz afirmações verdadeiramente lunáticas, impossíveis de serem checadas:

... os cultos africanos e suas práticas, ... há vários séculos, na própria África, perderam contato com sua "fonte original", ... que sempre se chamou UMBANDA (p. 7)

Verdadeiramente, do Seio da Religião Original, isto é, desta Lei que se identifica como de UMBANDA, é que nasceram todas as demais expressões religiosas (p. 14)

Porque UMBANDA é, em realidade, Lei, Expressão e Regra da chamada “Palavra Perdida” ... (p. 15)

Por fim, já no final da Apresentação, fazendo ligeiras referências à lendária Agartha, afirma:

... este vocábulo – UMBANDA – vem do “alfabeto divino” existente neste mesmo centro chamado Agartha (p. 16)

Só poderíamos terminar como os portugueses: DURMA-SE COM UM BARULHO DESSES!

(Pretendo continuar com este assunto em novas postagens)

sábado, dezembro 26, 2015

José Ribeiro, "o novo rei do candomblé"

Pouco há na internet sobre José Ribeiro de Souza, mais conhecido apenas como José Ribeiro, falecido babalorixá, escritor, professor de línguas sudanesas e intérprete e compositor de músicas folclóricas e afro-brasileiras. Em pesquisa realizada em março de 2013 nas fichas do Catálogo de Livros da Biblioteca Nacional, descobri que nascera em 1930. Em outra pesquisa realizada nessa época, encontrei também que José Ribeiro teria sido filho (de santo) de Joãozinho da Gomeia, "o rei do candomblé", e que, após a morte deste, em março de 1971, teria tomado para si o título, passando a se denominar "o novo rei do candomblé". Esta denominação encontra-se registrada, por exemplo, em seu LP "No reino de Angola", lançado naquele ano.

Publicou seus livros principalmente pelas editoras Espiritualista e Eco (vide um post sobre elas aqui).

Na edição de 16/01/1975 do jornal Correio Braziliense, saiu uma matéria sobre José Ribeiro:
Apesar de se falar na matéria em 25 livros publicados por ele até jan/1975, encontramos apenas 23 obras publicadas por José Ribeiro até tal data, conforme a seguir:
1) Candomblé no Brasil (Espiritualista, 2a. ed., 1957)
2) Orixás africanos (Espiritualista, 1961)
3) Comida de santo e oferendas (Folha Carioca, 1962)
4) 400 pontos riscados e cantados na umbanda e candomblé (Folha Carioca, 1962)
5) Dicionário africano de umbanda (Aurora, 1963)
6) O jogo dos búzios (Aurora, 1963)
7) Amalás (Espiritualista, 2a. ed., 1969)
8) Omulu - o senhor do cemitério (Espiritualista, 1969)
9) Pontos cantados nos candomblés (Espiritualista, 1969)
10) O ritual africano e seus mistérios (Espiritualista, 1969)
11) As festas dos eguns (Eco, 1969?)
12) O poder das ervas na umbanda (Eco, 1969?)
13) Cerimônias da umbanda e do candomblé (Eco, 1969?)
14) Oxalá - o médium supremo (Espiritualista, 1970)
15) Pomba Gira - mirongueira (Espiritualista, 1970)
16) Brasil no folclore (Aurora, 1970)
17) Magia africana (Espiritualista, 1972)
18) Culto malê (Espiritualista, 1973)
19) Tranca Ruas das Almas, com Decelso (Eco, 1974)
20) Catimbó de Zé Pilintra (Espiritualista, 1974)
21) No reino de Angola (Espiritualista, s/d)
22) Tambores d'África (Espiritualista, s/d)
23) Mirongas de preto velho (Espiritualista, s/d)

Mais tarde, José Ribeiro lançaria ao menos 5 títulos pela editora Pallas: "Eu, Maria Padilha" (1977), "Magia do candomblé" (1985), "Mágico mundo dos orixás" (1988), "O jogo de búzios e as cerimônias esotéricas dos cultos afro-brasileiros" (1990) e "Catimbó - magia do Nordeste" (1991).

Nota: este post foi atualizado em nov/2023.