sexta-feira, setembro 03, 2010

Os vários erros de "Mecanismos da Mediunidade"

Palavras de Deolindo Amorim no "Suplemento Literário" do n. 3 do Correio Fraterno do ABC (ano I, março de 1980):

"No campo espírita, sinceramente, a crítica faz muita falta. Há uma espécie de medo de ser irreverente, e, por isso, não se faz crítica, principalmente quando se trata de obras mediúnicas. Tenho, para mim, que é muito inconveniente, senão prejudicial à própria divulgação da Doutrina, o fato de, em determinados casos, se transformar a comunicação mediúnica em TABU. Aceita-se tudo, sem literatura meditada e sem crítica, apenas porque veio do Alto. É um erro muito grave. Penso, por isso mesmo, que o meio espírita precisa intensificar mais o hábito de leitura em profundidade. (...) E a crítica é das nossas necessidades (...)"

Clique no link abaixo e veja um trabalho que enviei à Comissão Editorial da FEB em 09/07/10 e que acabo de tornar público virtualmente devido à demora da referida comissão em tomar uma posição frente aos problemas levantados.

Problemas em "Mecanismos da Mediunidade"

segunda-feira, abril 05, 2010

Pra quem leu a Superinteressante deste mês...

...Leia também meu artigo abaixo:

Sobre a matéria de capa da SUPERINTERESSANTE n. 277: Chico Xavier


José Edmar Arantes Ribeiro

Introdução

A última saída da revista SUPERINTERESSANTE teve a figura de Chico Xavier como tema de sua principal matéria, que segue da pág. 50 à pág. 59 do número em questão da revista, já referido no título deste artigo.
No índice do número da revista em questão, é afirmado, com relação à matéria em foco: “A SUPER foi a Minas Gerais descobrir como o médium virou um mito. Encontrou histórias de fé e de mistério – e alguns efeitos especiais”. Entretanto, como poderá ser visto em alguns dos itens que discutiremos na subseção “Leviandades” deste artigo, nenhuma pesquisa mais cuidadosa fora feita no sentido de embasar afirmações como a da existência de “efeitos especiais” envolvendo a fenomenologia de Chico Xavier.
Na seção “Escuta”, destinada a palavras do diretor de redação da revista, com o título “Com todo respeito”, Sérgio Gwercman nos diz: “Respeito você vai encontrar em cada página da reportagem escrita por Gisela Blanco (...) Porque o jornalismo existe nas perguntas (...) É assim que trabalhamos aqui na SUPER”. Infelizmente, não é verdade que encontramos respeito em cada página escrita por Gisela Blanco (basta ver a seção “Leviandades”, abaixo). Igualmente, não é verdade que a “SUPER” adotara o princípio do questionamento saudável na matéria em questão: a maior parte da reportagem é constituída de afirmações irresponsáveis, que buscam disfarçadamente, porém a todo custo, reduzir a figura de Chico Xavier a de um mistificador carismático.
Nas linhas que seguem analisaremos detalhadamente os problemas apresentados na reportagem em foco.

Análise

Os vários problemas apresentados na reportagem serão divididos, à título didático e por ordem de gravidade, em cinco classes: (1) Uma Colocação Fora de Contexto; (2) Um Boxe que Nada Explica; (3) Informações Erradas; (4) Conceitos Errados; (5) Leviandades.

Uma Colocação Fora de Contexto
Em meio às suas considerações sobre as repercussões no meio literário da obra Parnaso de Além-Túmulo, psicografada por Chico Xavier e atribuída a espíritos de poetas brasileiros e portugueses, a autora da matéria nos diz:
“A história dividiu o mundo da literatura. Alguns desconfiavam de que tudo não passava de uma fraude. A viúva de Humberto de Campos até tentou na Justiça, sem sucesso, levar os direitos autorais sobre as obras psicografadas do marido. Mas outros o defendiam. ‘Se Chico Xavier produziu tudo aquilo por conta própria, merece quantas cadeiras quiser na Academia Brasileira de Letras’, declarou Monteiro Lobato”. (Págs. 55-56)
O trecho sobre a viúva de Humberto de Campos está fora de contexto. Chico Xavier só começara a psicografar Humberto de Campos em 1935, três anos após a publicação do Parnaso. Além disso, o caso Humberto de Campos iria ocorrer somente em 1944, doze anos após a publicação do Parnaso! E mais: neste caso, a viúva pedia à Justiça um posicionamento justamente na decisão sobre a autenticidade das mensagens atribuídas à Humberto de Campos. Caso a decisão fosse favorável, a viúva acataria e exigiria os direitos autorais, de modo que este caso não serve para ilustrar a posição daqueles que consideravam que tudo não passava de fraude.

Um Boxe que Nada Explica
A autora, no boxe “A Ciência e Chico Xavier”, à pág. 56, após dizer que, para cientistas, a explicação da fenomenologia de Chico Xavier estaria em um meio-termo entre a fraude e a hipótese espírita, simplesmente aloca definições de psicose, epilepsia, criptomnésia e telepatia, sem apresentar quaisquer posições de cientistas de que os conceitos mencionados explicariam o caso Chico Xavier!... Não bastasse isso, duas de suas definições estão equivocadas, o que será discutido na seção “Conceitos Errados”, mais abaixo.

Informações Erradas
1. À pág. 51, a autora diz que a origem de toda a história do fenômeno Chico Xavier foram as cartas dos mortos, e nas páginas seguintes (até a pág. 55) ilustra a afirmação com episódios de pessoas que teriam recebido cartas de seus filhos ou irmãos falecidos. Errado! Chico Xavier começou escrevendo versos de poetas brasileiros e portugueses mortos, que apareceram em Parnaso de Além-Túmulo, obra publicada em 1932 pela Federação Espírita Brasileira que chamou a atenção de vários intelectuais brasileiros pelo estilo dos poemas, fiel ao dos autores aos quais eles eram atribuídos.
2. À pág. 54, é dito que Waldo Vieira fundara um centro de estudos religiosos em Foz do Iguaçu. Errado! O centro fundado por Waldo Vieira é voltado ao estudo da consciência, e não tem caráter religioso.
3. À pág. 56, Gisela Blanco escreve o seguinte:
“O que você veria se estivesse na plateia de Chico Xavier na década de 1940? Pra começar, um médium sentado em frente a uma cortina, a cerca de 10 metros dos espectadores. (...) Lentamente, vultos brancos apareceriam – os médiuns explicavam que eram espíritos que haviam se materializado”.
Errado! Primeiramente, ao que nos consta, Chico Xavier somente iniciara sua participação como médium de materializações no fim da década de 40, e de forma esporádica, deixando de atuar como tal em 1953. Depois, nas sessões de materialização, não eram os médiuns que explicavam que os vultos eram espíritos materializados: isto podia ser deduzido pelos próprios espectadores.
4. À pág. 57, a autora escreve, referindo-se com ironia aos fenômenos de materialização envolvendo Chico Xavier: “Com shows como esses, Chico foi ficando famoso, graças a reportagens como uma publicada em 1944 por O Cruzeiro (...)”. Errado! A reportagem publicada em 1944 pela O Cruzeiro não tratou de fenômenos de materialização envolvendo Chico Xavier. E nem poderia! Nesta época Chico Xavier não atuava como médium para este tipo de fenômeno.

Conceitos Errados
1. No final da seção em que a autora trata das cartas de falecidos enviadas a parentes próximos através de Chico Xavier, fenômeno que erroneamente (vide item 1 de nossa seção anterior) fora considerado dentre as primeiras manifestações mediúnicas de Chico Xavier, a autora nos diz o seguinte: “(...) A verdadeira polêmica surgiria no outro filão do médium: os romances” (pág. 55). Entretanto, se lermos os parágrafos seguintes da nova seção (“A Polêmica”), verificaremos que ali o assunto tratado é o livro Parnaso de Além-Túmulo, que é constituído de... poemas e poesias. A autora parece não saber o que é um “romance”...
2. À pág. 56, a autora enfeixou sob o termo “psicose” todos os quadros ditos dissociativos, o que não é aceito pela Associação Americana de Psiquiatria desde 1994 (vide Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders), e também considerou “criptomnésia” como um distúrbio da memória, quando não há qualquer razão para categorizar este fenômeno, genericamente, como “distúrbio”.
3. Sobre o fenômeno da materialização de espíritos, a autora, Gisela Blanco, às páginas 56-57, escreve o seguinte:
“Registre-se: materializar uma pessoa, ou fazer surgir massa do nada equivalente a um homem de 70 quilos, não seria tarefa fácil. Seria necessário produzir um total de energia duas vezes maior do que é hoje produzido pela hidrelétrica de Itaipu por ano, segundo os cálculos feitos por especialistas e exibidos por reportagens sobre Chico nos anos 70”.
Aqui, a autora mistura alhos com bugalhos. O processo de materialização de espíritos não está relacionado à produção de matéria “do nada”. Segundo informações dos próprios espíritos, aceitas e de certa forma já verificadas por pesquisadores da fenomenologia espírita como o russo Alexandre Aksakof (1832-1903), o italiano Ernesto Bozzano (1862-1943) e o brasileiro R. A. Ranieri (1919-1989), o referido processo se daria à custa da “desmaterialização” do médium (em maior escala) e dos participantes das sessões (em menor escala).

Leviandades
1. Em caixa alta na primeira página da reportagem (pág. 50), a autora do texto, Gisela Blanco, nos diz que fora o mito Chico Xavier que fizera brasileiros de todos os credos acreditarem em vida após a morte, que mudara a vida de famílias desconsoladas e que colocara a Ciência em busca de respostas para seus fenômenos. A matéria, entretanto, não dá subsídios para tal afirmação. Fora o homem Chico Xavier o responsável por tudo aquilo.
2. Às págs. 52-53, lemos o seguinte (grifo nosso): “(...) Célia representa o público cativo de Chico: as mães. Atrás de notícias dos filhos mortos, elas compareciam em massa nos dois centros que Chico teve (...)”. Aqui a autora procura imputar um caráter de sedutor ou algo do tipo a Chico Xavier. Pura leviandade.
3. À pág. 54, vemos em letras garrafais: “Show de materialização de espíritos e truques para incrementar as sessões de psicografia. O lado pirotécnico de Chico Xavier provocou desconfiança”. Além do comentário estar desvinculado do assunto tratado nas páginas 54-55, a autora desconhece, ou finge desconhecer, que as sessões de materialização não tinham qualquer conotação de espetáculo. Além disso, levianamente, afirma que Chico usara de truques em suas sessões de psicografia, sem ao menos discutir mais amplamente a questão ao longo do texto sobre o assunto, às páginas 56-57, apenas fazendo referência ao caso de um fotógrafo da revista Realidade que, em 1971, teria visto um assessor de Chico Xavier borrifar perfume no ar...
4. À pág. 56, Gisela Blanco nos diz que a desconfiança dos críticos de Parnaso de Além-Túmulo tinha razão de ser:
“Apesar de não ter ido longe na escola, Chico foi autodidata e leitor voraz durante toda a vida. Colecionou cadernos com recortes de textos e poesias. Comprou livros de sebos em São Paulo. Em sua biblioteca, preservada até hoje em Uberaba, há mais de 500 livros e revistas, com obras em inglês, francês e até hebraico. A lista inclui volumes de autores cujo espírito o teria procurado para escrever suas obras póstumas, como Castro Alves e Humberto de Campos”.
Mas tem o seguinte: leitor voraz ou não, a autora deixa de revelar, talvez propositadamente, que a biblioteca de Chico Xavier, que ela afirma ter mais de 500 livros e revistas, foi constituída ao longo de toda a vida do médium mineiro, de 92 anos, e que inclui os mais de 400 livros que ele próprio psicografou!... Além disso, o trecho está fora de contexto, pois o tema tratado era Parnaso de Além-Túmulo, primeiro livro de Chico Xavier, muito anterior à biblioteca que ele viria a formar.
5. Ainda à pág. 56, após dizer que das investidas da imprensa Chico Xavier não escaparia (“Eles queriam explicações não só para a linha direta que Chico dizia ter com as celebridades do outro lado, mas também para alguns shows que o médium andava fazendo por aí”), a autora inicia uma subseção com o título “A pirotecnia”, sempre procurando incutir um tom humorístico à sua reportagem. O curioso é que Gisela Blanco fala nesta subseção de uma reportagem de 1944 da revista O Cruzeiro, de uma denúncia de Chico Xavier por um sobrinho e sobre o programa Pinga-Fogo de 1971 do qual Chico participara. Estes tópicos, porém, nada tem a ver com o que ela denomina “pirotecnia”. Pirotécnica parece-nos a falta de clareza da autora...
6. Ainda sobre as sessões de materialização de espíritos envolvendo Chico Xavier, à página 56 encontramos: “Os personagens principais da noite eram médiuns de outras cidades, acostumados a rodar o país com seus shows”. Como já afirmado no item 3 acima, as sessões de materialização não objetivavam meras mostras espetaculares.
7. À pág. 57, a autora escreve:
“(...) Acuado pelas críticas na Pedro Leopoldo de 15 mil habitantes, Chico resolveu fazer as malas e partir para Uberaba, um pólo do espiritismo onde contaria com o apoio de amigos. Mas não adiantou muito. A imprensa seguiu na cola. Em 1971 (...)”
Chico Xavier não saíra “fugido” de Pedro Leopoldo, em decorrência de críticas, como o trecho acima parece indicar. Além disso, ao ilustrar como a imprensa seguiu “na cola” de Chico após sua mudança para Uberaba, ocorrida em 1959, a autora cita uma reportagem de 1971, doze anos após... Se pesquisasse melhor, poderia encontrar uma reportagem anterior muito mais ilustrativa ao seu objetivo de denegrir Chico Xavier, como a publicada em uma das edições da revista O Cruzeiro de 1964.
8. Ainda à pág. 57, referindo-se à participação de Chico Xavier em 1971 do programa Pinga-Fogo, da TV Tupi, a autora escreve: “Por quase 3 horas, o médium foi bombardeado por perguntas. Mas se safou”. Ora, safar-se é esquivar-se, escapulir-se, fugir. Assim referindo-se à atuação de Chico Xavier no Pinga-Fogo, a autora parte do pressuposto de que ele teria algo a esconder. Lamentável! Muita falta de imparcialidade.
9. À pág. 58, em garrafais (recurso comum utilizado na reportagem para escancarar as leviandades da autora), lemos: “Órfão maltratado na infância, um piadista quando adulto, vítima de uma série de doenças na velhice. Não foi à toa que Chico Xavier conquistou a compaixão de todo o país”. Esta tentativa de desqualificar o real trabalho de Chico Xavier, imensurável, tanto no campo do assistencialismo espiritual quanto material, não foi bem-sucedida. Desde quando ser piadista conquista a compaixão das pessoas? Será que os responsáveis pela matéria não sabem o que significa “compaixão”?...
10. À pág. 59, a autora escreve: “Uma imagem captada pela TV Globo mostrou um raio de sol entrando no quarto do medium [sic] exatamente no dia em que Chico teve uma melhora repentina”. Seria mesmo um raio de sol? Cadê as fontes que atestam isto?
11. Também à pág. 59, última do artigo, arrematando o festival de imprudência exibido ao longo de suas páginas, lemos no boxe “A Indústria de Chico Xavier”:
Dieta do Chico Xavier: revista dos anos 80 publicavam o ritual – meio copo de água pela manhã, com grãos de arroz dentro do copo representando o número de quilos que se quer perder”.
Aqui, a matéria procura imputar um caráter ridículo à figura de Chico Xavier e tenta, sorrateiramente, ludibriar o leitor, que poderia pensar que tal dieta fora realmente prescrita pelo médium mineiro, o que não é verdade.

Conclusão

Acreditamos ter deixado claro, pelas considerações acima, que a reportagem “Chico Xavier”, veiculada na revista SUPERINTERESSANTE deste mês de abril de 2010 (n. 277), deixa a desejar em quatro aspectos do labor jornalístico de imprensa: ético (vide seção “Leviandades”), cultural (vide seção “Conceitos Errados”), investigativo (vide seção “Informações Erradas” e itens 7 e 10 da seção “Leviandades”) e redacional (vide a “Introdução”, as seções “Um Boxe que nada Explica” e “Uma Colocação Fora de Contexto”, e também os itens 4, 5, 9 e 10 da seção “Leviandades”), e nada mais temos a acrescentar. Como conclusão, apenas uma pergunta: uma revista dessas é confiável?... 
 
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[NOTA de 13/04/10: O artigo acima saiu na seção "Feitos & Desfeitas" do Observatório da Imprensa n. 585, de hoje, 13/04/10 (aqui). Veja lá! Sobre os pontos mencionados no artigo, aproveito aqui para mencionar mais quatro (três informações erradas e uma leviandade), notados quando ele já havia sido submetido ao OI:
1- À pág. 54, é dito que Waldo Vieira dividira o trabalho em seu centro em Uberaba com Chico de 1955 a 1969. Errado! O período correto é 1959-1966.
2- À pág. 55, é dito que os poemas de Parnaso de Além-Túmulo foram reconhecidos à sua época como "razoavelmente fiéis ao estilo dos autores" que os assinavam, mas isto não é bem verdade. Eles foram reconhecidos como "muito fiéis", conforme pode ser visto da opinião de Agrippino Grieco, então acadêmico da Academia Brasileira de Letras, na obra A Psicografia Ante os Tribunais, de Miguel Timponi.
3- À pág. 59, é dito que o nome do filme sobre Chico Xavier que estrearia neste mês de abril era As Vidas de Chico Xavier, quando na realidade seu nome é Chico Xavier - O Filme.
4- Nessa mesma página, no item "Para Saber Mais", foi dado como referência o livro The Psychic Mafia, que trata das fraudes cometidas por um ex-mágico comentadas pelo mesmo, induzindo o leitor a pensar que Chico usara também de truques de mágica. Mais uma dentre as tantas leviandades de Gisela Blanco, autora da matéria.]

[NOTA de 14/04/10: Foi suprimido um trecho equivocado do artigo acima.]

[NOTA de 12/05/10: Além dos pontos mencionados na nota de 13/04/10, no item 3 da seção "Informações Erradas" do artigo, como referência, eu deveria também ter mencionado o livro As Vidas de Chico Xavier, do jornalista Marcel Souto Maior, onde as citadas datas aparecem.]

segunda-feira, fevereiro 15, 2010

Os espiritismo de Kardec

José Edmar Arantes

No início da 1a. edição de Le Livre des Esprits (O Livro dos Espíritos), datada de 1857, na seção "Introduction à l'étude de la doctrine spirite" (Introdução ao estudo da doutrina espírita), Allan Kardec escreve o seguinte (negrito meu):

"(...) le spiritualisme est le opposé du matérialisme; quiconque croit avoir en soi autre chose que la matière est spiritualiste; mais il ne s'ensuit pas qu'il croie à l'existence des esprits ou à leurs communications avec le monde visible. Au lieu des mots spirituelspiritualismenous employons, pour désigner cette dernière croyance, ceux de spirite et de spiritisme, dont la forme rappelle l'origine et le sens radical, et qui par cela même ont l'avantage d'être parfaitement intelligibles. Nous dirons donc que la doctrine spirite ou le spiritisme consiste dans la croyance aux relations du monde matériel avec les esprits ou êtres du monde invisible".

Em uma tradução livre:

"(...) o espiritualismo é o oposto do materialismo; quem quer que creia haver em si outra coisa além da matéria é espiritualista; mas daí não resulta que creia na existência de espíritos ou em suas comunicações com o mundo visível. Em lugar das palavras espiritualespiritualismonós empregamos, para designar esta última crença, os vocábulos espírita e espiritismo, cuja forma recorda a origem e o sentido radical, e por isso têm a vantagem de serem perfeitamente inteligíveis. Nós diremos portanto que a doutrina espírita ou espiritismo consiste na crença em relações do mundo material com os espíritos ou seres do mundo invisível".

Ou seja, espiritismo seria simplesmente a crença na existência de espíritos e em suas comunicações com o mundo visível.

Pois bem. Em 1858 Kardec publica seu livro Instructions Pratiques sur les Manifestations Espirites (Instruções Práticas sobre as Manifestações Espíritas), que serviu de base para Le Livre des Mediums (O Livro dos Médiuns), publicado originalmente em 1861. No Brasil, o Instructions foi traduzido por Cairbar Schutel (Casa Editora O Clarim) e por Julio Abreu Filho (Ed. Pensamento). Em seu "Vocabulário Espírita" consta:

"Espiritismo: doutrina fundada sobre a crença na existência dos Espíritos e em sua comunicação com os homens".

Ou seja, o que antes foi definido apenas como uma crença passou a ser considerado uma doutrina fundada sobre a tal crença...

Em 1859 foi publicado, de Kardec, Quest-ce que le Spiritisme (O que é o Espiritismo) [1]. Neste livro, o codificador diz o seguinte à pág. 2 do "Préambule" :

"Pour répondre, dès à présent, à la question formulée dans notre titre , nous dirons que : le Spiritisme est la doctrine fondée sur l'existence des Esprits , ou êtres incorporels du monde invisible, et leurs rapports avec le monde corporel. On peut encore dire que : le Spiritisme est la science de tout ce qui se rattache à la connaissance des Esprits ou du monde invisible."

Em tradução livre:

"Para responder, agora, à questão colocada no nosso título, diremos que: o espiritismo é a doutrina baseada na existência de espíritos, ou seres incorpóreos do mundo invisível, e suas relações com o mundo corporal. Pode-se também dizer que: o espiritismo é a ciência de tudo o que se relaciona com o conhecimento dos espíritos ou do mundo invisível."

Ou seja, em linhas gerais, Kardec reiterou o que dissera em sua obra anterior.

Em 1860 foi a vez do surgimento da 2a. edição de Le Livre des Esprits, a "edição definitiva", utilizada como base para as principais traduções do livro no Brasil. Na versão de Guillon Ribeiro (Federação Espírita Brasileira -- FEB), consta o seguinte na parte I da "Introdução ao estudo da doutrina espírita" (negritos meus):

"(...) o espiritualismo é o oposto do materialismo. Quem quer que acredite haver em si alguma coisa mais do que matéria, é espiritualista. Não se segue daí, porém, que creia na existência dos Espíritos ou em suas comunicações com o mundo visível. Em vez das palavras espiritualespiritualismoempregamos, para indicar a crença a que vimos de referir-nos, os termos espírita e espiritismo, cuja forma lembra a origem e o sentido radical e que, por isso mesmo, apresentam a vantagem de ser perfeitamente inteligíveis, deixando ao vocábulo espiritualismo a acepção que lhe é própria."

Ou seja, neste trecho Kardec manteve o conceito que externara na 1a. edição de Le Livre des Esprits a respeito da palavra.

Porém, logo a seguir, tentando implementar ali a definição utilizada no Instruções Práticas sobre as Manifestações Espíritas (1858), ele acaba por se contradizer (negrito meu):

"(...) Diremos, pois, que a doutrina espírita ou o Espiritismo [nota: no original francês aparece spiritisme, ou seja, em itálico e sem a inicial maiúscula] tem por princípio [nota: no original francês consta pour principes] as relações do mundo material com os Espíritos ou seres do mundo invisível."

Ou seja, "espiritismo" deixou de ser a crença nas comunicações dos Espíritos com o mundo visível para ser algo que tem as nossas relações com os Espíritos apenas como pressuposto inicial...

É um vai e vem que não acaba mais!

Aqui, neste blog, tomaremos por base a definição de "espiritismo" dada por Kardec na 1a. edição de Le Livre des Esprits (1857), que se apresenta livre de quaisquer inconsistências, além de ser extremamente simples e abrangente:

ESPIRITISMO - Crença na existência de Espíritos e de relações destes com o mundo material.

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[1] Na página de dados editoriais da 49a. edição desta obra pela FEB (março de 2004), e muito provavelmente também na de todas as edições do livro publicadas a partir do início da década de 70 (quando tal página foi instituída nas publicações FEB), somos informados de que a edição em foco trata-se de uma tradução da versão original francesa da obra, de 1859. Pura mentira! A tradução ali apresentada é da edição definitiva da obra, a sexta, de 1865, "refundida e consideravelmente aumentada", onde Kardec mete os pés pelas mãos e acaba criando uma teia de contradições inaceitável em sua tentativa de definir "Espiritismo". Leiamos parte do "Preâmbulo" da obra em sua citada edição pela FEB (49a., março de 2004):

"Para responder, desde já e sumariamente, à pergunta formulada no título deste opúsculo, diremos que: O ESPIRITISMO É, AO MESMO TEMPO, UMA CIÊNCIA DE OBSERVAÇÃO E UMA DOUTRINA FILOSÓFICA. COMO CIÊNCIA PRÁTICA ELE CONSISTE NAS RELAÇÕES QUE SE ESTABELECEM ENTRE NÓS E OS ESPÍRITOS; COMO FILOSOFIA, COMPREENDE TODAS AS CONSEQÜÊNCIAS MORAIS QUE DIMANAM DESSAS MESMAS RELAÇÕES. Podemos defini-lo assim: O Espiritismo é uma ciência que trata da natureza, origem e destino dos Espíritos, bem como de suas relações com o mundo corporal".

Dois pontos nos saltam aos olhos após a leitura deste trecho:

1- Ao resumir sua definição, dizendo que o Espiritismo seria "uma ciência que trata da natureza, origem e destino dos Espíritos, bem como de suas relações com o mundo corporal", Kardec contradiz o que havia acabado de dizer, ou seja, que o Espiritismo seria uma ciência de observação e uma doutrina filosófica, pois que "natureza, origem e destino" dos Espíritos é um assunto que não é subsidiado nem pelo estudo observacional das manifestações mediúnicas, nem pelas consequências morais concernentes ao Espiritismo entendido como doutrina filosófica. Foram apresentadas, assim, duas definições completamente distintas de "Espiritismo", o que é um problema;
2- Não bastasse isso, pode-se facilmente verificar que ambas as definições contrastam tanto com a fornecida por Kardec no início de Le Livre des Esprits, como com aquela do "Vocabulário Espírita" que aparece em Instruções Práticas sobre as Manifestações Espíritas (e também em O Livro dos Médiuns), que seria reproduzida quase literalmente na 1a. edição de Quest-ce que le Spiritisme.

Resumindo: na versão definitiva desta obra, Kardec foi infeliz em sua tentativa de definição de "Espiritismo". Curiosamente, tem gente que ainda briga (tentando se justificar justamente com o trecho contraditório que reproduzimos acima!) dizendo que "isto é Espiritismo", "aquilo não é Espiritismo", etc. Convenhamos!...
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# A versão acima é de 01/06/2013.

sábado, dezembro 02, 2006

Médiuns brasileiros de efeitos físicos cujas faculdades foram documentadas em livros, teses, revistas, atas, etc. (rascunho)

1. Carmilo* Mirabelli (1888-1951) [*Também Carmene, Carmine, Carlo, Carlos]
- 1914-1950
- S. Paulo, SP; Rio de Janeiro, RJ
- Academia de Estudos Psychicos (depois Centro de Estudos Psichicos) “Cesar Lombroso” (S. Paulo), Instituto Psíquico Brasileiro de S. Paulo, Instituto Psíquico Brasileiro de Niterói, Academia Brasileira de Metapsychica (Rio de Janeiro)
- Tese "Contribuição ao Estudo da Psiquiatria (Espiritismo e Metapsiquismo)", apresentada na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro por Brasílio Marcondes Machado mas recusada (16/12/1922); livro “Prodigios da Biopsychica obtidos com o medium Mirabelli”, de Eurico de Goes (Tipografia Cupolo, 1937), e vários outros; tese "A defesa do Espiritismo na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro: a tese de Brasílio Marcondes Machado", apresentada na Universidade Federal de Santa Catarina por Artur César Isaia (2006)

2. Ana Prado
- 1918-1921
- Belém, PA
- Livrete "Fenômenos de Materialização", de Manuel Quintão (FEB, 1921), e livro “O Trabalho dos Mortos”, de Nogueira de Faria (FEB, 1921)

3. José Corrêa Neves
- 1937 (máximo) - 1954 (mínimo)
- Franca, SP; Instituto de Pesquisas Metapsíquicas (Grupo Espírita Pe. Zabeu), S. Paulo, SP
- Fotos no ICESP; Ata do "Grupo Espírita Pe. Zabeu", reproduzida em "Cumprindo-se Profecias", livro de Mario Ferreira, publicado pela Édipo em 1955

4. Peixotinho (Francisco Lins Peixoto)
- 1939-53
- Rio de Janeiro, RJ; Belo Horizonte, MG (1 vez); Pedro Leopoldo, MG; Fortaleza, CE
- Livros: "Materializações Luminosas" (LAKE, 1956; FEESP) e "Forças Libertadoras" (Ed. Eco, 1967), de R. A. Ranieri; "Na Madureza dos Tempos" (S/ed., 1987), de Gilberto Perez Cardoso e Newton Boechat; "Materialização do Amor" (Fraternidade Espírita Francisco Peixoto Lins, 1994), de Humberto Vasconcelos; "Dossiê Peixotinho" (Lachâtre, 1997), de Lamartine Palhano Jr. e Wallace Fernando Neves

5. Francisco Antunes Bello
- 1945-1946(ao menos)
- Centro Espírita Irmã Terezinha, Pindamonhangaba, SP
- Reportagens dos jornais "A Centelha" e "A Noite" no início de 1945; livro "Os Trabalhos Post-Mortem do Pe. Zabeu" (depois "Operações Espirituais"), de Urbano Pereira (1946); "Anuário Espírita de 1976"

**. Osvaldo ..., de S. Paulo, SP [**Item acrescentado em 28.02.2016]
- 1946 (ao menos)
- Centro Espírita Irmã Terezinha, Pindamonhangaba, SP
- Ata de sessão, reproduzida às pp. 327-28 de "Afinal, quem somos?" (Ed. Calvário, 7a. ed., 1972), livro de Pedro Granja

**. Elvira Goulart [**Item acrescentado em 28.02.2016]
- 1946 (ao menos)
- Casa localizada à R. da Moóca, 1705, S. Paulo, SP
- Sessão descrita às pp. 328-34 do livro supracitado

6. Benedito Cosme
- 1948-1988(ao menos)
- Centro Espírita Pe. Zabeu e Fraternidade Espírita Irmão Kamura, S. Paulo, SP
- Referências em "Movimento e Doutrina", e-book de Ivan René Franzolim disponível em http://www.espirito.org.br/portal/palestras/ivan-franzolim/movimento-e-doutrina.html

7. Chico Xavier (Francisco Cândido Xavier)
- fins da década de 40; 1952-53
- Pedro Leopoldo, MG
- Referências nos livros "Forças Libertadoras" (Ed. Eco, 1967) e "Chico Xavier - o santo dos nossos dias" (Ed. Eco, 1970), de R. A. Ranieri; "Chico Xavier - Mandato de Amor", da União Espírita Mineira (Ed. UEM, 1993); “As Vidas de Chico Xavier”, de Marcel Souto Maior (Ed. Rocco, 1994; Ed. Planeta); "Um Minuto com Chico Xavier", de José Antônio Vieira de Paula (s/ed, 1997; Ed. Didier, 1999)

8. Fábio Machado (1928-85)
- 1949-59
- Grupo Scheilla (de Jair Soares), Belo Horizonte, MG; Grupo Joseph Gleber, Fazenda Eureka, Itanhomi, MG
- Livros: “Materializações Luminosas” (LAKE, 1956; FEESP) e "Forças Libertadoras" (Ed. Eco, 1967), de R. A. Ranieri; e "Materializações Luminosas: Leis Cósmicas em Ação" (Ed. Espírita Fonte Viva, 2002), de Dante Labbate

9. Ênio Wendling (1926)
- 1953 (pelo menos)
- Grupo Irmã Scheilla, Belo Horizonte, MG
- Livro "Forças Libertadoras" (Ed. Eco, 1967), de R. A. Ranieri

10. Ivan Ferreira de Castro (1933-2004)
- 1955-2004
- Residência de Luiz da Rocha Lima (1955-1965) e "Santuário de Frei Luiz" (1965-2004), ambos no Rio de Janeiro, RJ
- Livros "Forças do Espírito" (Educandário Social Lar de Frei Luiz, 4a. ed., 1981), "Memórias de um Presidente de Trabalhos" (Educandário Social Lar de Frei Luiz, 1982), "Medicina dos Espíritos" (Educandário Social Lar de Frei Luiz, 2a. ed., 1992), todos de Luiz da Rocha Lima; livros "Médicos do Espaço" (Mauad, 2000) e "A Vida Além da Vida" (Mauad, 2005), ambos de Ronie Lima

11. Gilberto Arruda (1941)
- 1955-2004 (ao menos)
- Residência de Luiz da Rocha Lima (1955-1965) e "Santuário de Frei Luiz" (1965-2004), ambos no Rio de Janeiro, RJ
- Livros "Forças do Espírito" (Educandário Social Lar de Frei Luiz, 4a. ed., 1981), "Memórias de um Presidente de Trabalhos" (Educandário Social Lar de Frei Luiz, 1982), "Medicina dos Espíritos" (Educandário Social Lar de Frei Luiz, 2a. ed., 1992), todos de Luiz da Rocha Lima; livros "Médicos do Espaço" (Mauad, 2000) e "A Vida Além da Vida" (Mauad, 2005), ambos de Ronie Lima

12. Antônio Alves Feitosa
- 1958(máximo)-1961(mínimo)
- Centro Espírita Cabana do Pai Preto, St. André, SP
- "Atas do Centro Espírita Cabana do Pai Preto", algumas tendo sido reproduzidas na revista "Os Tempos Chegaram – coletânea de instruções colhidas no aprendizado espírita", números 1 e 2, de 1963 e 1964, respectivamente (nota: nestes registros, em algumas ocasiões Antônio A. Feitosa contou com Nizea dos Santos e Carmen Cunha Nicoletti como médiuns de apoio); n. de 18 de janeiro de 1964 da revista "O Cruzeiro"; livro "Otília Diogo e a Materialização de Uberaba", de Jorge Rizzini (Edicel, 1964), depois transformado em "Materializações de Uberaba" (LivroFácil-Nova Luz, 1997); artigos e entrevistas com Ary Brasil Marques, um dos redatores das "Atas do Centro Espírita Cabana do Pai Preto" quando dos fenômenos produzidos por Feitosa
- 1964(máximo)-1974(mínimo)
- Centro Espírita Casa da Paz, S. Paulo, SP
- Atas do Centro Espírita Casa da Paz

13. Maria José Lazera Duarte (1931-2005)
- 1959-61
- Recife, PE
- Depoimento de Valter da Rosa Borges (pesquisador da médium) a Vitor Moura Visoni, disponível em http://br.geocities.com/existem_espiritos/valter.html

14. Otília Diogo
- 1959-65
- Andradas, MG; Uberaba, MG; S. Paulo, SP
- Período 1963-64 documentado no n. de 3 de agosto de 1963 da revista "Fatos e Fotos"; em matéria de Jarbas Barbosa no "Anuário Espírita 1964"; nos ns. de 18 de janeiro e de 1o. de fevereiro de 1964 da revista "O Cruzeiro"; no livreto "Em Defesa da Mediunidade", de R. A. Ranieri (LAKE, 1964); no livro "Otília Diogo e a Materialização de Uberaba", de Jorge Rizzini (Edicel, 1964), depois transformado em "Materializações de Uberaba" (LivroFácil-Nova Luz, 1997); em matéria de Jarbas Barbosa no "Anuário Espírita 1965", e no livro "Forças Libertadoras", de R. A. Ranieri (Ed. Eco, 1967)

15. Walter Santos Rezende
- 1963 (ao menos)
- Uberaba, MG
- Matéria de Jarbas Barbosa no "Anuário Espírita 1964" e matéria de José Franco no n. de 18 de janeiro de 1964 da revista "O Cruzeiro"

16. Carmen Cunha Nicoletti
- Revista "Os Tempos Chegaram – coletânea de instruções colhidas no aprendizado espírita", números 1 e 2, de 1963 e 1964, respectivamente

17. José Costa Lima
- Revista "Os Tempos Chegaram – coletânea de instruções colhidas no aprendizado espírita", números 1 e 2, de 1963 e 1964, respectivamente

18. José Medrado
- 1988 (ao menos)
- Salvador, BA
- Livro "Outras Dimensões", de Carlos Bernardo Loureiro

(Este post foi revisado em 03.09.10 e teve seu título alterado em 01.11.12)