sábado, janeiro 30, 2021

"A construção histórica da literatura umbandista": inexatidões, erros e informações falsificadas

(Edmar Arantes)

Há dez anos atrás adquiríamos o livro mencionado no título desta postagem, conforme informamos em outro post deste mesmo blog (aqui). Escrito por Diamantino Trindade, prefaciado por Alexandre Cumino e publicado em 2010 pela Editora do Conhecimento, que afirma na orelha da obra ser o autor "considerado o maior historiador da umbanda", o livro, que contém 288 páginas, é dividido em 6 (seis) partes, a saber: "Antônio Eliezer Leal de Souza: o primeiro escritor de umbanda", "A umbanda na ótica dos umbandistas", "A umbanda na ótica da sociologia e da antropologia", "A umbanda na ótica da Igreja Católica", "A umbanda na ótica do kardecismo" e "A umbanda na ótica das revistas". Aqui, neste texto, restringir-nos-emos à exposição dos problemas encontrados nas duas primeiras partes, que perpassam 174 páginas, a grande maioria deles notados já há dez anos. O texto será dividido em seções, nomeadas pela espécie de "problema" exemplificado e em ordem crescente de gravidade. Erros menores, como trocas de nomes, não serão expostos.

Inexatidões
O autor exibe as capas da maior parte dos livros citados no texto, mas, com exceção daquelas exibidas nas páginas 30, 31 e 84, não especifica as edições referentes a elas, fazendo com que o leitor tenha a falsa impressão de que as capas apresentadas correspondem às edições originais, o que nem sempre é verdade.

Dois pesos, duas medidas
Referindo-se a Loureço Braga, diz o autor: "Lourenço prestou um desserviço à umbanda quando afirmou que os exus são egoístas, interesseiros e vingativos" (pág. 47). Ora, ora... Leal de Souza, referindo-se a estes seres, disse praticamente o mesmo no cap. XIV (A magia negra) de seu livro O Espiritismo, a Magia e as Sete Linhas de Umbanda: "Tais entidades tem ufania de poder; são com frequência, irritadiças e vingativas"... A respeito de Leal de Souza, porém, Trindade não faz crítica alguma. Muito pelo contrário! Só elogios. Muitos elogios. Elogios por tudo quanto é canto...

Uma omissão capciosa
Num passar de olhos no índice da obra, observamos que o autor simplesmente fez "vistas grossas" ao sacerdote e escritor umbandista F. Rivas Neto, autor de importantes obras, como Umbanda – a Proto-Síntese Cósmica, publicada pela Livraria Freitas Bastos em 1989 e posteriormente reeditada pela Editora Pensamento. Não temos dúvida de que isto ocorreu por questões de ordem pessoal, e é lamentável que um autor que pretenda abordar historicamente determinado assunto simplesmente omita certos nomes por questões de afeição. Curiosidades à parte, Diamantino Trindade fez questão de mencionar a si mesmo dentre os autores da literatura umbandista, ainda que não tenha o mesmo alcance de Rivas Neto neste campo.

Informações erradas
1- À pág. 42 consta que o livro Umbanda, de João de Freitas, teria sido publicado em 1941 pela Editora Espiritualista. Grande erro. Tal livro foi publicado inicialmente sem editora e, até onde sei, nunca chegou a ser editado pela Espiritualista. E mais: esta editora nem mesmo existia em 1941! Só foi criada em meados de 1957 (vide aqui).
2- À pág. 43 consta que o referido livro foi publicado após o Primeiro Congresso Brasileiro de Espiritismo de Umbanda. Está errado. O livro de João de Freitas foi publicado antes, em 1941 (o livro do congresso saiu em 1942).
3- À pág. 47 consta que Umbanda (Magia Branca) e Quimbanda (Magia Negra), livro de Lourenço braga, teria sido publicado por uma tal Editora São José. Está errado. O livro foi publicado pela Livraria Jacintho.
4- Na mesma página Trindade diz que Braga "não havia compreendido que a umbanda era uma religião autônoma e não fazia parte do espiritismo". Errado. Braga nem mesmo associa o conceito de religião a "umbanda", ora utilizando a palavra para designar "magia branca", ora para nominar uma "organização espiritual".
5- E o autor continua... Afirma que Braga teria dito que a "umbanda tornou-se conhecida no Brasil através da colonização africana", ignorando, portanto, seu caráter de religião brasileira. A transcrição não fora feita corretamente. O que Lourenço Braga disse foi o seguinte: "'Umbanda' tornou-se conhecida no Brasil através da colonização africana. Sua significação era a seguinte: -- fazer magia, por intermedio das forças invisiveis [...]" (Umbanda e Quimbanda, 1942, p. 21). Ou seja, claro está que Braga referia-se à palavra "umbanda", não à religião umbanda, mesmo porque, conforme já dissemos, no livro o autor não utiliza a palavra "umbanda" para designar uma religião.
6- À pág. 48 Trindade afirma que a obra Trabalho de Umbanda ou Magia Prática, de Lourenço Braga, teria sido publicada em 1950 por Edições Fontoura, quando na realidade foi publicada em 1946 pela Editora Moderna...
7- Na pág. 49, referindo-se às descrições que Lourenço Braga (Trindade tem verdadeira fixação em tentar diminuir o trabalho deste!) fizera sobre os exus, diz: "Estas descrições foram suficientes para que os 'santeiros' criassem as imagens aberrantes que ainda hoje são comercializadas nas casas de artigos religiosos de umbanda". Erro. Antes da publicação do trabalho de Braga já era comum serem associadas aos exus figuras estranhas. Por exemplo, na obra Umbanda (1941), de João de Freitas, capítulo No Leblon, o autor foi apresentado à imagem de Exu Tiriri: "uma cabeça com dois chifres e orelhas pontiagudas à semelhança de Fauno, o deus campestre, segundo a mitologia romana".
8- À pág. 51 consta que a obra Umbanda Esotérica e Iniciática (1950) teria sido publicada pela Editora Espiritualista. Errado. Ela foi lançada pela Editora Aurora, só posteriormente tendo sido editada pela Espiritualista.
9- À pág. 52 consta que a obra Umbanda e Ocultismo teria sido publicada pela Editora Espiritualista. Errado. Ela foi lançada pela Editora Aurora em 1953, só posteriormente tendo sido editada pela Espiritualista.
10- À pág. 55 consta que a obra Alquimia de Umbanda teria sido publicada pela Editora Espiritualista em 1950. Errado. Esta obra fora lançada pela Editora Coruja em 1949, só posteriormente sendo editada pela Espiritualista.
11- Na mesma página, consta que a obra Umbanda Mista teria sido publicada pela Editora Espiritualista. Errado. Esta obra fora lançada sem editora em 1951, só posteriormente sendo editada pela Espiritualista.
12- À pág. 58 consta que a obra A Umbanda Através dos Séculos teria sido publicada em 1950 pela Editora Espiritualista. Errado. Em 1950 a Ed. Espiritualista nem mesmo existia!
13- À pág. 60 diz que a obra Exu teria sido publicada em 1951 pela Editora Espiritualista. Errado. Ela foi publicada sem editora em 1952, só posteriormente tendo sido editada pela Espiritualista.
14- À pág. 70 é dito que a obra O que é a Umbanda? teria sido publicada pela Biblioteca Espiritualista Brasileira em 1953. Errado. Ela foi publicada sem editora em 1946, e com o autor (Emanuel Zespo) adotando seu nome verdadeiro, Paulo Menezes. A edição de 1953 é a 3a..
15- Na mesma página é dito que "a obra não traz grandes novidades em relação ao que já havia sido escrito anteriormente", mas ela foi pioneira em expor a umbanda como a Quarta Revelação (o Antigo Testamento seria a primeira, o Novo Testamento a segunda, e a Doutrina Espírita a terceira).
16- À pág. 74 é dito que a obra Lições de Umbanda (1954) teria sido publicada pela Editora Espiritualista. Errado. Ela foi lançada pela Editora Aurora, só posteriormente tendo sido editada pela Espiritualista.
17- À pág. 76 é afirmado que o Jornal de Umbanda teria sido fundado em 1939 por Zélio de Morais. Alexandre Cumino expõe informação diversa em sua obra História da Umbanda (2010). Tal jornal teria sido criado em 1949 pela UEUB (União Espírita de Umbanda do Brasil). Vide págs. 158-159 da obra citada.
18- À pág. 80 afirma que a obra Doutrina Secreta da Umbanda, de W. W. da Matta e Silva, teria sido publicada em seguida a Umbanda - Sua Eterna Doutrina (1957). Errado. Em sequência à obra referida foi publicada Lições de Umbanda e Quimbanda nas Palavras de um Prêto-Velho (1961). Doutrina Secreta da Umbanda só seria publicada em 1967.
19- Na mesma página, afirma que Macumbas e Candomblés na Umbanda teria sido publicada em 1975. Errado. Tal obra foi publicada em 1970.
20- À pág. 86 é dito que o livro Okê Caboclo! teria sido publicado em 1961 pela Editora Eco. Errado. Tal livro foi publicado em 1968. Aliás, em 1961 a Editora Eco nem mesmo existia!
21- À pág. 88, Trindade afirma que Umbanda dos Prêtos Velhos teria sido publicada em 1965 pela Editora Espiritualista e só depois reeditada pela Editora Eco. Não conseguimos verificar esta informação, e acreditamos estar incorreta, pois há uma edição já de 1965 pela Eco.
22- Na mesma página é dito que na obra referida o autor procura desvincular a umbanda do ramo do espiritismo. Não é isso que o autor faz. Ele diferencia umbanda de kardecismo, mas considera ambos como formas de espiritismo.
23- Na pág. 89 Trindade fala da reprodução, por Antônio Alves Teixeira Neto, de trecho do autor Alvarino Selva. Não se trata de um outro autor. Alvarino Selva é apenas um dos pseudônimos que Teixeira Neto utilizava (vide, deste autor, publicado sob o pseudônimo Antônio de Alva, Exu – o gênio do bem e do mal, Ed. Espiritualista, s/d, pág. 10).
24- À pág. 91 é dito que o periódico Jornal de Umbanda teria sido lançado em 1947. Sobre este ponto, vide nota 17, acima.
25- À pág. 103 Trindade diz que no plano físico a umbanda teria sido fundada em 1935 pelo Cap. Pessoa (José Álvares Pessoa). Um disparate, simplesmente.
26- Na pág. 114 é dito que a obra Umbanda de Caboclos teria sido publicada em 1972. Errado. Ela foi publicada em 1967.
27- Na pág. 134 é dito que a obra de Cavalcanti Bandeira O que é a umbanda teria sido publicada em 1973. Errado. Ela foi publicada em 1970.

Falsificações históricas
1- À pág. 22 Trindade afirma, referindo-se a Leal de Souza: "Devido ao seu prestígio e conhecimento, o Primeiro Congresso Brasileiro de Espiritismo de Umbanda, realizado em 1941 no Rio de Janeiro, aprovou essas Sete Linhas". Tremenda MENTIRA! As "linhas" de Leal de Souza não foram sequer apresentadas no congresso referido! Representando as tendas espíritas São Jerônimo e São Jorge, respectivamente, fundadas sob ordem do Caboclo das Sete Encruzilhadas (Leal de Souza, que não participou do congresso, também dirigia uma dessas tendas, a Nossa Senhora da Conceição), os drs. Jayme Madruga e Antonio Barbosa nem tocaram no assunto em suas preleções! (O Primeiro Congresso Brasileiro de Espiritismo de Umbanda teve os trabalhos ali apresentados compilados em livro. Basta consultá-lo. Está disponível na internet.)
2- À pág. 43, mais uma vez tentando insuflar o prestígio de Leal de Souza, afirma: "João de Freitas [em Umbanda, 1941] cita Leal de Souza diversas vezes, mostrando que era uma referência importante para ele" (grifei). Tremendo EXAGERO! Temos a obra de João de Freitas em sua 3a. edição, de 1946. Leal de Souza é citado apenas duas vezes, com trechos transcritos às págs. 43-44 e 121 do referido livro. Aliás, diga-se de passagem, João de Freitas, no Primeiro Congresso de Espiritismo de Umbanda (1941), posicionou-se CONTRA a divisão linhas brancas / linhas negras utilizada por Leal de Souza em sua obra O Espiritismo, a Magia e as Sete Linhas de Umbanda (1933). Vejamos o que ele diz: "Não concebendo, como não podemos conceber a Umbanda sem o seu ritual, porque sem ele, ela deixa de ser Umbanda, proponho o seguinte: 1.°) A Federação Espírita de Umbanda não reconhecerá, por forma alguma, linhas brancas nem linhas pretas; visto que isto significaria o seu desmembramento em detrimento do esforço dispendido [...]".
3- À pág. 103 Trindade diz que a obra Umbanda: religião do Brasil teria sido publicada em 1968. Como ela fora publicada em 1960, pensamos inicialmente que se tratava apenas de mais uma informação errada do autor. Mas não! Foi tudo muito bem urdido. Agiu realmente como um pilanta o Sr. Diamantino. Pois vejam: na pág. 107, para que a fundação da umbanda coincidisse justamente com o 1908 tão aclamado por ele e outros irresponsáveis (essa data não tem fundamento histórico algum), Trindade ADULTEROU trecho de um artigo de José Álvares Pessoa constante do livro citado! O original diz o seguinte: "Há uns quarenta anos mais ou menos, aproveitando a enorme aceitação dos fenômenos espíritas por parte dos brasileiros, entidades que presidem o destino espiritual da raça resolveram levar adiante a árdua tarefa de lhes dar uma religião que fosse genuinamente brasileira" (Umbanda: religião do Brasil, Ed. Obelisco, 1960, pág. 63, grifo meu). Ou seja, tendo a obra sido publicada em 1960, a ação dessas entidades, com vistas à criação de uma religião genuinamente brasileira, teria ocorrido por volta de 1920. Pois bem. E o que Diamantino Trindade fez? Onde constava "quarenta anos", transcreveu "sessenta anos"... Levando em conta que ele já modificara a data de publicação original da obra para 1968, tirando sessenta anos, chegaríamos no aclamado 1908... Realmente inacreditável a desfaçatez do autor!

Um comentário:

  1. Para baixar este texto em PDF, acesse https://pt.scribd.com/document/495388336/A-construcao-historica-da-literatura-umbandista-inexatidoes-erros-e-informacoes-falsificadas.

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