sábado, outubro 08, 2011

Crítica à matéria de capa da Superinteressante

Segue abaixo texto enviado por volta das 13h de ontem (07/10/2011) ao Observatório da Imprensa:

"Superesperta", mas "supererrada" 

(José Edmar Arantes Ribeiro)

A Superinteressante deste mês (Out/2011), que exibe em sua capa o tema "Ciência Espírita", mostra-nos que, em se tratando de assuntos que afrontam o paradigma materialista, continua um desastre. Ao vermos a revista à mostra em uma banca, por um momento pensamos que encontraríamos ali uma espécie de retratação à lastimável reportagem principal de seu número de Abr/2010, "Uma Investigação – Chico Xavier", cuja crítica tivemos oportunidade de publicar aqui, neste Observatório (veja). Mas enganamo-nos... O diretor de redação da Superinteressante, Sérgio Gwercman, o mesmo de um ano e meio atrás, talvez por ser um crente no materialismo, mais uma vez deixou passar uma reportagem relacionada ao transcendente eivada de erros, além de contraditória, ainda que tenha feito questão de estampá-la na capa, mais uma estratégia de marketing habilmente utilizada pela revista, talvez para atrair novamente os leitores que se aborreceram com a reportagem sobre Chico Xavier.

Poderiam alegar alguns que a reportagem pelo menos informa sobre pesquisas acadêmicas realizadas a respeito de cirurgias e terapias mediúnicas, experiências de quase morte e reencarnação, de forma que, dada a excentricidade de tais assuntos, deveríamos eximi-la de críticas. Discordo. Diante de temática tão séria, à divulgação de matérias com dados errados e com a costumeira tendenciosidade e falta de imparcialidade da Superinteressante, seria de longe preferível o silêncio.

Comecemos do começo. Na capa da revista, à chamada da matéria principal ("Ciência Espírita", em letras garrafais) encontramos o seguinte enunciado: "Eles são cientistas. E eles acreditam em espíritos e reencarnação. Agora, estão usando o laboratório para provar que tudo isso não é apenas questão de fé. E dizem que estão conseguindo". Após a leitura da matéria, que se estende da pág. 56 à pág. 65, concluímos, entretanto, que houve erro (proposital ou não) ali. Ora, ao se dizer que os cientistas em questão estavam usando o laboratório em suas pesquisas, transmite-se a ideia de que tudo estaria sendo feito com o auxílio de aparelhagens, etc. Mas em nenhuma das pesquisas apresentadas (de Frederico Leão, de Alexander Almeida, de Sam Parnia, de Peter Fenwick e de Erlendur Haraldsson) é utilizado qualquer instrumento laboratorial! Tais pesquisas são baseadas principalmente em entrevistas e questionários. Assim, um leitor que tenha comprado a revista esperando a apresentação de trabalhos laboratoriais sobre espíritos e reencarnação terá sido simplesmente ludibriado...

Agora passemos à matéria em si. Logo na primeira página (pág. 56) um erro crasso. À ilustração de Peter Fenwick, neurologista do Kings College (Londres), segue-se a descrição: "Pioneiro nas pesquisas de vida após a morte". Desconhecem os autores da reportagem (Pablo Nogueira e Carol Castro) que desde mais de 130 anos antes de Fenwick iniciar suas pesquisas (1985), a partir de trabalhos como os do químico Robert Hare (1781-1858), da Universidade da Pensilvânia, e do juiz John W. Edmonds (1816-1874), da Corte Suprema de Nova York, o assunto já vem sendo estudado no mundo todo? Incrível, mas parece que sim...

À pág. 58, referindo-se aos autores do artigo "Cirurgia espiritual: uma investigação", os responsáveis pela reportagem escrevem: "O que chamava mesmo a atenção era a proposta dos pesquisadores. Eles defendiam a necessidade de mais investigação sobre o 'mundo espiritual'." Mas não é isto o que lemos no artigo. Ali, o que é defendido é a necessidade de um melhor conhecimento dos "mecanismos e eficácia das curas espirituais", o que é diferente.

Na mesma página, em referência ao Departamento de Psiquiatria da USP, está dito (destaque nosso): "Lá foi fundado em 1999 o Programa de Saúde, Espiritualidade e Religiosidade (ProSER), que se dedica justamente a examinar os efeitos da religião na saúde das pessoas, como no caso das cirurgias mediúnicas". Errado! O estudo de cirurgias mediúnicas não é um exemplo de exame dos efeitos da religião na saúde das pessoas. Pode até haver convergências aí, mas em princípio são coisas bem distintas.

Na segunda coluna da pág. 60, após quatro depoimentos de pessoas que vivenciaram experiências de quase morte, inclusive a de um homem que estivera no estado de coma profundo e que, uma semana depois, em fase de recuperação, voltou ao hospital e reconheceu uma das enfermeiras presentes, lembrando-se "de que fora ela quem tinha retirado os seus dentes e os colocado em um carrinho, com garrafas em cima e uma gaveta embaixo", descrevendo ainda com detalhes a sala e as pessoas que participaram da operação, lemos o seguinte: "Seja como for, isso são só relatos. Acredita quem quer". O questionamento da idoneidade daqueles que vivenciam ou presenciam fenômenos anômalos sempre foi recurso comum utilizado pelos negativistas. Uma pena. Será mesmo razoável duvidar da honestidade de outrem apenas porque relate experiências que se desacredite?...

Na mesma página, no início da seção "Outro lado", em referência às 63 ressuscitações pesquisadas por Parnia e Fenwick, lemos: "Para os céticos, o resultado não poderia ser outro, mesmo que houvesse uma EQM". Mas houve EQM! No artigo dos pesquisadores ("A qualitative and quantitative study of the incidence, features and aetiology of near death experiences in cardiac arrest survivors", Resuscitation 48: 149-156, 2001), encontram-se relatos de 4 experiências de quase morte. O que não ocorreu foram EFCs (experiências fora do corpo).

Na pág. 61, toda coberta por uma ilustração de Sam Parnia, lê-se como parte da legenda (destaque nosso): "Coordena a maior pesquisa da história sobre a existência de espíritos". Bem, apesar dos autores da matéria esforçarem-se por aproximar semanticamente a ideia de uma consciência independente do corpo físico com a ideia de espírito, de alma, não nos parece plenamente lícita esta aproximação. Em termos mais exatos, Sam Parnia coordena a maior pesquisa da história sobre a distinção entre mente e cérebro através do estudo de EQMs.

À pág. 62, lemos: "Alguns pacientes contam detalhes específicos, como o caso da mulher que viu o médico se atrapalhar com o carrinho cirúrgico. Susan, porém, acredita que nesses casos a audição estaria ainda em funcionamento já que é o último sentido a ser perdido , e a mente seria capaz de criar aquela imagem visual". Mas quem é Susan? Por mais que se procure na matéria referências anteriores, não se encontra. Que descuido, hein?!

Foi curioso também ler, na mesma página, que "outros três estudos feitos no século 21 questionaram a ideia de total 'desligamento' do cérebro" (o destaque é nosso). Além de não ter sido feita nenhuma citação anterior a estudos a este respeito, não foram fornecidas referências sobre os três estudos citados, e, de quebra, ficamos com a impressão de que vivemos em século outro que não o 21...

Há que se notar, ainda, nesta mesma página, que o nome do pesquisador que fora ilustrado saiu errado: trata-se de Alexander Almeida, não Alexandre Almeida. (Das quatro ilustrações até então, já é o terceiro problema envolvendo as legendas...)

Na pág. 63, um erro grave de informação: foi dito que o "I Simpósio Internacional Explorando as Fronteiras da Relação Mente e Cérebro" ocorreu em Juiz de Fora-MG, quando na realidade ele aconteceu em São Paulo-SP...

Analisemos agora os parágrafos finais da matéria (segunda coluna da pág. 65), os mais problemáticos.

Dizem os autores: "Desnecessário dizer que as pesquisas com reencarnação são severamente criticadas pela academia". Ora, isto simplesmente não faz sentido, uma vez que todos os pesquisadores citados na matéria fazem parte da academia! Agora, se tais pesquisas são criticadas por outros segmentos dela, e, mais, se são severamente criticadas, como dito, seria necessário, sim, dizê-lo, e de preferência citar os envolvidos. Por que não?... Curiosamente, isto não foi feito...

Em seguida, apontam dois "empecilhos" das pesquisas com crianças que relatam experiências de outra vida: tudo não passar de fraudes elaboradas entre as famílias envolvidas e, desconsiderando isso, o fato de que é comum os pesquisadores só terem acesso aos casos quando os pais da criança já encontraram a suposta família da outra vida dela, complicando a checagem das informações. Até aí, tudo bem. Porém, os redatores acrescentam: "Mais: por um lado, os informantes tendem a 'esquecer' as afirmações da criança que não coincidem com a vida da pessoa que acreditam que ela foi. Por outro, colocam na boca dela informações que só foram obtidas depois, quando as duas famílias já estavam em contato". Ora, com base em quê afirmam isso?... Colocações deste tipo exigem descrição clara dos recursos utilizados para embasá-las. Como nada foi dito a respeito, não podemos tomar tomá-las como reais dificuldades das pesquisas sobre reencarnação.

Fechando a matéria, os autores arrematam (destaques nossos): "Com tantas evidências contra, é difícil não acreditar que os pesquisadores de reencarnações, EQMs e afins se movam mais pela fé do que pela curiosidade científica. Mesmo assim, continua sendo uma forma de ciência, já que a busca é por resultados concretos. Se um dia eles vão chegar a esses resultados? Quem viver verá. E quem morrer também". Aqui, enumeraremos os problemas:

1- Só foram apresentadas duas dificuldades das pesquisas com crianças que dizem lembrar-se de vidas passadas (vide parágrafo anterior), e isto não endossa de forma alguma a afirmação de que os pesquisadores de reencarnações seriam movidos mais pela fé do que pela curiosidade científica. Dificuldades há em todos os campos de pesquisa.

2- Não bastasse o juízo completamente distorcido sobre pesquisadores de reencarnações, os responsáveis pela matéria tentaram aproveitar a deixa para colocar (sem qualquer argumento!) também os pesquisadores de "EQMs e afins" na classe de simples crédulos...

3- Por fim, ressaltamos que o trecho que foi destacado em itálico contradiz o próprio comentário do título da matéria (pág. 57, grifo nosso): "Espíritos existem? E reencarnação? Para alguns cientistas, sim. Pesquisadores sérios, do mundo todo, Brasil incluído, que buscam provas sobre a existência da alma. E eles já conseguiram resultados surpreendentes". Que coerência é essa? Só quem viver verá resultados concretos das pesquisas sobre reencarnação, EQMs e afins (pág. 65), ou os cientistas já conseguiram resultados surpreendentes a este respeito (pág. 57)?... Será que alguma "mão estranha" mexeu na reportagem antes de publicá-la? Suspeitamos que sim. O fecho da matéria impõe um discurso completamente alheio ao que vinha sendo feito até então, e não nos parece razoável que os próprios autores tenham se contradito dessa maneira.

Há um ano e meio atrás, terminamos nossa crítica da matéria sobre Chico Xavier na Superinteressante com a seguinte pergunta: "uma revista dessas é confiável?". Aqui, diremos apenas: seria preciso repetir a pergunta?...


Nota de 14/10/2011, às 22h02minEste artigo está publicado na última saída do Observatório da Imprensa, datada de 11/10 (veja-o aqui ou aqui), mas chegou a ser "despublicado" (!), devido ao fato de eu não ter aceito os "enxertos" impostos ao texto, o que foi-me avisado às 13:48 daquele dia, na pessoa de Luiz Egypto: "seu artigo foi 'despublicado' até que tenhamos tempo hábil para reavaliar os intertítulos que tanta espécie lhe causaram". Não questionei, pois, já que eles não queriam retirar os intertítulos que não eram de minha autoria, algo minimamente razoável em um órgão que prezasse pela ética jornalística, então seria melhor mesmo "despublicar" o artigo. Acontece que as poucas horas que o texto ficou exposto no OI em 11/10 (seção "Imprensa em Questão") foram suficientes para que ele fosse republicado em ao menos 3 blogs. Sendo assim, enviei às 2:41 de 12/10 uma mensagem ao Observatório pedindo que voltasse a tornar o artigo público e que ao menos dissesse explicitamente que os intertítulos não eram de minha autoria. Às 6:08 daquele dia recebo uma mensagem de Luiz Egypto dizendo que o artigo já estava novamente disponível ao público. O curioso, porém, é que os intertítulos haviam sido mudados... (Para ver o artigo como foi publicado originalmente no OI, observe sua reprodução no Guia Global aqui. Nota: infelizmente, o Guia, sem qualquer razão de ser, ilustrou o texto com a capa da Superinteressante de Abr/2010, o que poderá confundir leitores que travarem contato pela primeira vez com o artigo ali.) Sendo assim, em lugar da observação "Intertítulos do OI", que atualmente aparece anteposta ao artigo, deveríamos ter algo como "Intertítulos inseridos pelo OI e atualizados em 12/10/2011", pois a realidade é esta, e o leitor deveria saber! Falei sobre isso em uma mensagem enviada às 15:37 de 12/10 para Luiz Egypto e em uma mensagem enviada às 20:42 de ontem (13/10) diretamente para o Projor, órgão responsável pelo OI. Nada foi feito. Resumo da história: enviar artigos para o Observatório da Imprensa é furada. Eles metem a mão no seu texto, não avisam, e depois, com o artigo já reproduzido em outros locais, ainda remexem nos próprios "enxertos"! É de lascar...

Nota de 29/08/2012, às 18h59min: Na mesma mensagem enviada às 15:37 de 12/10/2011 para Luiz Egypto (mencionada acima), disse-lhe também que, no campo "Outros textos deste autor", não aparecia meu outro artigo publicado no OI (idêntico problema ocorria no mesmo campo do outro artigo). Como em 03/12/2011 constatei que os problemas não haviam sido corrigidos, tratei de contactar diretamente Andrea Baulé e Leila Sarmento, que constam aqui como responsáveis pela página do OI na Web. Não tendo obtido qualquer resposta e nada tendo sido feito até 10/12/2011, comuniquei novamente neste dia os problemas aos responsáveis pelo Observatório, através da opção "Fale conosco" da página do OI. Sem sucesso... Fiz o mesmo em 15/02/2012. Sem qualquer resultado... Até que resolvi contactar ontem (28/08/2012) o Dr. Caio Túlio Costa, que intercedeu por mim junto a Luiz Egypto para que resolvesse a demanda. E os problemas foram, finalmente, resolvidos!... Não é preciso pensar muito para perceber que tamanha despreocupação com o caso foi uma maneira de me "punir" pelas críticas mencionadas na nota acima. Fica a pergunta: tamanho melindre é condizente com uma entidade que se propõe a dar voz à sociedade civil na mídia?

sexta-feira, junho 17, 2011

O cientista Flammarion e a "ciência" de Kardec

Irei aproveitar o endereço deste blog (desatualizado há mais de 4 anos - nota: a exceção é um post único do ano passado) para postar alguns de meus "achados" relacionados ao Espiritismo. O post de hoje irá tratar da obra Mysterious Psychic Forces, tradução de um título do astrônomo e escritor francês Camille Flammarion (1842-1925).

Foi em 08.11.2004, em uma de minhas escapadas do Instituto de Física da USP (IFUSP) para o Instituto de Psicologia da mesma universidade (IPUSP). Visitando a biblioteca deste, deparei-me com o curioso livro acima referido. Publicado pela editora Small, Maynard and Company, de Boston, em 1907, nele não consta o título da versão original, em francês, mas trata-se de Les Forces Naturelles Inconnues, livro de Flammarion publicado em Paris em 1907 (não confundir com uma obra homônima, do mesmo autor mas bem menor, publicada em 1865 - nota de 14.05.2012: na realidade, trata-se de uma quase homonímia; o livro de 1865 chama-se Des Forces Naturelles Inconnues). Em português teria o título As Forças Naturais Desconhecidas, ou algo assim, e acabo de descobrir que o Les Forces chegou a ser vertido para o português. Foi publicado pela editora da FEB em 1942 (vide aqui), mas para nunca mais aparecer... Isto até o mês passado, pois descobri também que a Ed. do Conhecimento acaba de relançar a obra (vide aqui).

Voltando ao meu "achado", o Mysterious Psychic Forces é composto de prefácio, introdução e 22 capítulos, totalizando xxiv + 466 páginas. Quando o descobri, já conhecia algumas biografias de Camille Flammarion, mas até então nunca havia lido nenhum de seus livros. E qual não foi o meu espanto ao descobrir que, na obra, surgia-me um Flammarion um tanto distinto daquele pintado em suas biografias espíritas... Tomei algumas notas do livro e tão interessado fiquei com o assunto que voltei ainda por 4 vezes naquele mês de novembro de 2004 à biblioteca do IPUSP para realizar mais anotações.

Como só recentemente tornei-me ciente da importância de nos esforçarmos para publicar aquilo que consideramos interessante, uma vez que outros podem partilhar da mesma opinião e ser beneficiados com nossos esforços, até dias atrás minhas anotações estavam guardadas, esquecidas em alguma caixa. Resgatando-as (há muito ainda o que "resgatar"), estive a aguardar oportunidade para publicar a parte delas que creio ser de interesse do público kardecista (a referente ao prefácio e ao cap. II da obra, "My First Séances In The Allan Kardec Group, And With The Mediums Of That Epoch"). Antes de fazê-lo, porém, resolvi dar uma procurada na Internet para ver se o Mysterious não estaria disponível em algum hospedeiro de arquivos. E foi uma grata surpresa descobrir que ele está, sim, disponível aos internautas (vide aqui). Assim, agora que consegui o "tempo" necessário para a redação, edição e publicação de um texto a respeito, fica facilitado o meu trabalho: não precisarei digitar todos os trechos de interesse; basta olhar as páginas referentes, copiá-las do documento, colá-las aqui, corrigir algum problema na codificação do pdf e editar o texto. Vamos lá... Após cada parágrafo disponibilizado (os negritos sempre são meus) seguirá uma tradução livre.

Do "Prefácio", pág. vii:

On the one hand, the sceptics cleave fast to their denials, convinced that they know all the forces of nature, that all mediums are humbugs, and all experimenters imbeciles. On the other hand, there are the credulous Spiritualists, who imagine they always have spirits at their beck and call in a centre-table, who evoke, with the utmost sangfroid, the spirits of Plato, Zoroaster, Jesus Christ, St. Augustine, Charlemagne, Shakespeare, Newton, or Napoleon, and who set about stoning me for the tenth or twentieth time, affirming that I am sold to the Institute on account of a deepseated and obstinate ambition, and that I dare not declare myself in favor of the identity of the spirits for fear of annoying my illustrious friends. The individuals of this class refuse to be satisfied just as much as the first class.

"De um lado, os céticos clivam rapidamente suas negações, convencidos de que conhecem todas as forças da natureza, todos os médiuns são impostores e todos os experimentadores, imbecis. De outro lado, há os espiritualistas crédulos, que imaginam que sempre têm espíritos ao seu aceno e chamada em uma mesa de centro, que evocam, com o maior sangue frio, os espíritos de Platão, Zoroastro, Jesus Cristo, Santo Agostinho, Carlos Magno, Shakespeare, Newton ou Napoleão, e que começam a apedrejar-me pela décima ou vigésima vez, afirmando que estou vendido ao Instituto em virtude de uma ambição muito enraizada e obstinada, e que não ouso declarar-me em favor da identidade dos espíritos por medo de chatear meus amigos ilustres. Os indivíduos desta classe não se contentam, assim como os da primeira classe."

So much the worse for them! I insist on only saying what I know; but I do say this.

"Tanto pior para eles! Insisto em dizer apenas o que sei; mas digo isso."

And if what I know is displeasing, so much the worse for the prejudices, the general ignorance, and the good breeding of these distinguished gentry, in whose eyes the maximum of happiness consists in an increase of their fortune, the pursuit of lucrative places, sensual pleasures, automobile-racing, a box at the Opéra, or five-o'clock teas at a fashionable restaurant, and whose lives are frittered away along paths that never cross those of the rapt idealist, and who never know the pure satisfaction of his mind and heart, or the pleasures of thought and feeling.

"E se o que sei é desagradável, tanto pior para os preconceitos, a ignorância geral, e a boa educação dessa distinta pequena nobreza, em cujos olhos o máximo de felicidade consiste num aumento de sua fortuna, a busca de posições lucrativas, os prazeres sensuais, corridas de automóveis, um camarote na Ópera, ou chás de cinco horas em um restaurante da moda, e cujas vidas são desperdiçadas ao longo de caminhos que nunca cruzam aqueles do idealista extasiado, e que nunca conhecem a satisfação pura de sua mente e coração, ou os prazeres do pensamento e do sentimento."

As for me, a humble student of the prodigious problem of the universe, I am only a seeker. (...)

"Quanto a mim, um humilde estudante do prodigioso problema do universo, sou apenas um buscador. (...)"

Do cap. II da obra, "My First Séances In The Allan Kardec Group, And With The Mediums Of That Epoch" (pp. 24-62):

One day in the month of November, 1861, under the Galeries de l'Odéon,* [*Certain book-shops in Paris. Trans.] I spied a book, the title of which struck me — Le Livre des Esprits ("The Book of Spirits"), by Allan Kardec. I bought it and read it with avidity, several chapters seeming to me to agree with the scientific bases of the book I was then writing, The Plurality of Inhabited Worlds. I hunted up the author, who proposed that I should enter, as a free associated member, the Parisian Society for Spiritualistic Studies, which he had founded, and of which he was president. I accepted, and by chance have just found the green ticket signed by him on the fifteenth day of November, 1861. This is the date of my début in psychic studies. I was then nineteen, and for three years had been an astronomical pupil at the Paris Observatory. At this time I was putting the last touches to the book I just mentioned, the first edition of which was published some months afterwards by the printer-publisher of the Observatory. (p. 24)

"Um dia, no mês de novembro de 1861, sob as Galerias do Odéon* [*Algumas livrarias de Paris. Trad.], avistei um livro cujo título me impressionou — Le Livre des Esprits ("O Livro dos Espíritos"), de Allan Kardec. Comprei-o e li-o com avidez, vários capítulos parecendo-me concordar com as bases científicas do livro que estava escrevendo, A Pluralidade dos Mundos Habitados. Procurei o autor, que sugeriu que eu deveria entrar, como um membro associado livre, na Sociedade Parisiense para Estudos Espiritualistas [trata-se da Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas], que ele havia fundado e da qual era presidente. Eu aceitei, e por acaso acabei de encontrar o bilhete verde assinado por ele no dia quinze de novembro de 1861. Esta é a data de minha estreia nos estudos psíquicos. Eu tinha então dezenove anos, e por três anos tinha sido um aluno astronômico no Observatório de Paris. Nessa época, eu estava fazendo os últimos retoques no livro que acabei de mencionar, a primeira edição do qual foi publicada alguns meses depois pelo editor-impressor do Observatório."

The members came together every Friday evening in the assembly room of the society, in the little passageway of Sainte Anne, which was placed under the protection of Saint Louis. The president opened the séance by an "invocation to the good spirits." It was admitted, as a principle, that invisible spirits were present there and revealed themselves. After this invocation a certain number of persons, seated at a large table, were besought to abandon themselves to their inspiration and to write. They were called "writing mediums." Their dissertations were afterwards read before an attentive audience. There were no physical experiments of table-turning, or tables moving or speaking. The president, Allan Kardec, said he attached no value to such things. It seemed to him that the instructions communicated by the spirits ought to form the basis of a new doctrine, of a sort of religion. (pp. 24- 25)

"Os membros se reuniam todas as sextas-feiras à noite na sala de reuniões da sociedade, no pequeno corredor de Santa Ana, que era colocada sob a proteção de São Luís. O presidente abria a sessão por uma "invocação aos bons espíritos". Era admitido, como princípio, que os espíritos invisíveis estavam presentes ali e revelavam-se. Após esta invocação, certo número de pessoas, sentado em uma grande mesa, era rogado a abandonar-se à sua inspiração e escrever. Estas pessoas eram chamadas de "médiuns escreventes". Suas dissertações eram posteriormente lidas diante de uma atenta plateia. Não havia experiências físicas de mesas girantes ou mesas movendo-se ou falando. O presidente, Allan Kardec, disse que não dava valor a essas coisas. Parecia-lhe que as instruções transmitidas pelos espíritos deveriam formar a base de uma nova doutrina, de uma espécie de religião."

At the same period, but several years earlier, my illustrious friend Victorien Sardou, who had been an occasional frequenter of the Observatory, had written, as a medium, some curious pages on the inhabitants of the planet Jupiter, and had produced picturesque and surprising designs, having as their aim to represent men and things as they appeared in this giant of worlds. He designed the dwellings of people in Jupiter. One of his sketches showed us the house of Mozart, others the houses of Zoroaster and of Bernard Palissy, who were country neighbors in one of the landscapes of this immense planet. The dwellings are ethereal and of an exquisite lightness. They may be judged of by the two figures here reproduced (Pl. II and III). The first represents a residence of Zoroaster, the second " the animals' quarters" belonging to the same. On the grounds are flowers, hammocks, swings, flying creatures, and, below, intelligent animals playing a special kind of ninepins where the fun is not to knock down the pins, but to put a cap on them, as in the cup and ball toy, etc. (p. 25)

"No mesmo período, mas muitos anos antes, meu ilustre amigo Victorien Sardou, que tinha sido um frequentador ocasional do Observatório, tinha escrito, como médium, algumas páginas curiosas sobre os habitantes do planeta Júpiter, e tinha produzido pitorescos e surpreendentes desenhos tendo como objetivo representar os homens e as coisas como elas apareciam neste gigante dos mundos. [Nota: estes escritos e desenhos foram publicados na Revue Spirite (Revista Espírita), editada por Allan Kardec, no número de abril de 1858.] Ele desenhou as habitações de pessoas em Júpiter. Um de seus esboços nos mostrou a casa de Mozart, outros as casas de Zoroastro e de Bernard Palissy, que eram vizinhos de país em uma das paisagens deste imenso planeta. As habitações são etéreas e de uma leveza primorosa. Podem ser julgadas pelas duas figuras aqui reproduzidas (Pl. II e III). A primeira representa uma residência de Zoroastro, a segunda "os alojamentos dos animais" pertencentes ao mesmo. Na área estão flores, espreguiçadeiras, balanços, criaturas voadoras e, abaixo, animais inteligentes jogando um tipo especial de boliche onde a diversão não é derrubar os pinos, mas colocar uma capa neles, como no brinquedo do copo e da bola, etc."

These curious drawings prove indubitably that the signature " Bernard Palissy, of Jupiter," is apocryphal and that the hand of Victorien Sardou was not directed by a spirit from that planet. Nor was it the gifted author himself who planned these sketches and executed them in accordance with a definite plan. They were made while he was in the condition of mediumship. A person is not magnetized, nor hypnotized, nor put to sleep in any way while in that state. But the brain is not ignorant of what is taking place: its cells perform their functions, and act (doubtless by a reflex movement) upon the motor nerves. At that time we all thought Jupiter was inhabited by a superior race of beings. The spiritistic communications were the reflex of the general ideas in the air. To-day, with our present knowledge of the planets, we should not imagine anything of the kind about that globe. And, moreover, spiritualistic seances have never taught us anything upon the subject of astronomy. Such results as were attained fail utterly to prove the intervention of spirits. Have the writing mediums given any more convincing proofs of it than these? This is what we shall have to examine in as impartial a way as we can. (pp. 25-26)

"Estes curiosos desenhos provam sem dúvida que a assinatura "Bernard Palissy, de Júpiter" é apócrifa e que a mão de Victorien Sardou não era dirigida por um espírito daquele planeta. Nem foi o próprio talentoso autor quem traçou estes esboços e executou-os de acordo com um plano definido. Eles foram feitos enquanto ele estava na condição de mediunidade. Uma pessoa não é magnetizada, nem hipnotizada, nem posta para dormir de algum modo enquanto nesse estado. Mas o cérebro não é ignorante do que está ocorrendo: suas células desempenham suas funções e atuam (sem dúvida por um movimento reflexo) sobre os nervos motores. Naquela época todos nós pensávamos que Júpiter era habitado por uma raça de seres superiores. As comunicações espíritas eram o reflexo das idéias gerais no ar. Hoje, com nosso conhecimento atual dos planetas, não devemos imaginar algo do tipo sobre aquele mundo. E, além disso, sessões espíritas nunca nos ensinaram coisa alguma sobre o assunto de astronomia. Tais resultados como foram alcançados falham completamente em provar a intervenção dos espíritos. Os médiuns escreventes deram provas mais convincentes dela do que estas? Isto é o que teremos de examinar da maneira mais imparcial possível."

I myself tried to see if I, too, could not write. By collecting and concentrating my powers and allowing my hand to be passive and unresistant, I soon found that, after it had traced certain dashes, and o's, and sinuous lines more or less interlaced, very much as a four-year-old child learning to write might do, it finally did actually write words and phrases. (p. 26)

"Eu mesmo tentei ver se também não conseguia escrever. Recolhendo e concentrando minhas forças e permitindo minha mão estar passiva e sem resistência, logo descobri que, depois de ter traçado certos traços, e o's, e linhas sinuosas mais ou menos entrelaçadas, muito bem como uma criança de quatro anos aprendendo a escrever pode fazer, ela finalmente chegou a escrever palavras e frases."

In these meetings of the Parisian Society for Spiritualistic Studies, I wrote for my part some pages on astronomical subjects signed " Galileo." The communications remained in the possession of the society, and in 1867 Allan Kardec published them under the head General Uranography, in his work entitled Genesis. (I have preserved one of the first copies, with his dedication.) These astronomical pages taught me nothing. So I was not slow in concluding that they were only the echo of what I already knew, and that Galileo had no hand in them. When I wrote the pages, I was in a kind of waking dream. Besides, my hand stopped writing when I began to think of other subjects. (pp. 26-27)

"Nessas reuniões da Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas, eu escrevi por minha parte algumas páginas sobre assuntos astronômicos assinando "Galileu". As comunicações permaneceram em posse da sociedade, e em 1867 Allan Kardec publicou-as sob o título Uranografia Geral, em sua obra intitulada Gênese. (Eu tenho preservado um dos primeiros exemplares, com sua dedicatória.) Estas páginas astronômicas ensinaram-me nada. Então não demorei a concluir que elas eram apenas o eco do que eu já conhecia, e que Galileu não tinha mão nelas. Quando escrevi as páginas, estava em uma espécie de sonho acordado. Além disso, minha mão parava de escrever quando eu começava a pensar em outros assuntos."

Depois, Flammarion transcreve um trecho da edição de 1884 de sua obra Les Terres du Ciel onde é dito que o cérebro de um médium escrevente atua apenas um pouco diferentemente do que em seu estado normal, a principal diferença residindo no fato de que no estado normal nós pensamos no que vamos escrever antes do início da escrita, e no estado alterado isto não acontece. No trecho em questão Flammarion também ressalta que nos experimentos de escrita mediúnica é muito fácil enganarmo-nos e acreditarmos que nossa mão está sob influência de outra mente, dizendo ainda que até aquele tempo (1884) o assunto havia sido só levemente examinado de forma científica, "tendo sido mais frequentemente explorado por especuladores do que estudado por cientistas". E continua:

So I wrote in 1884; and I will indorse every word I then wrote, just as it stands. (p. 28)

"Assim eu escrevi em 1884; e eu vou endossar cada palavra que então escrevi, assim como está."

In these first experiences with Spiritualists, of which I have just been speaking, I soon had the entrée of the chief Parisian circles devoted to these matters, and for a couple of years I even took the position of honorary secretary of one of them. A natural or necessary result of this was that I did not miss a single séance. (p. 28)

"Nestas primeiras experiências com os espiritualistas [espíritas], das quais acabo de falar, eu logo tive o "prato principal" dos mais importantes círculos parisienses dedicados a estas matérias, e por um par de anos ainda tomei o cargo de secretário honorário de um deles. Um resultado natural ou necessário disso foi que eu não perdi uma única sessão."

Three different methods were employed to receive communications: (1) writing with the hand; (2) the use of the planchette, to which a lead-pencil was attached, and on which the hands were placed; and (3) table-rapping (or table-moving), operated by the alphabetic code, these raps or the movements of the table marking the desired letter as the alphabet was read aloud by one of those present. (p. 28)

"Três métodos diferentes foram empregados para receber comunicações: (1) a escrita com a mão; (2) o uso da prancheta, para a qual um lápis era anexado, e sobre a qual eram colocadas as mãos; e (3) a mesa batedora (ou mesa movente), operada pelo código alfabético, esses raps ou os movimentos da mesa marcando a letra desejada conforme o alfabeto era lido em voz alta por um dos presentes."

The first of these methods was the only one employed at the Society for Spiritualistic Studies, of which Allan Kardec was president. It was the one which permitted the margin for the most doubt. In fact, at the end of two years of investigations of this kind, which I had varied as much as possible, and which I had entered upon without any preconceived idea for or against, and with the most ardent desire to arrive at the truth, I came to the positive conclusion that not only are the signatures of these papers not authentic, but that the intervention of another mind from the spirit world is not proved at all, the fact being that we ourselves are the more or less conscious authors of the communications by some cerebral process which yet remains to be investigated. The explanation is not so simple as it seems, and there are certain reservations to be made in the general statement above. (pp. 28-29)

"O primeiro desses métodos foi o único empregado na Sociedade de Estudos Espíritas, da qual Allan Kardec era presidente. Tal método dava margem à maior dúvida. De fato, no final de dois anos de investigações deste tipo, que eu tinha variado tanto quanto possível, e as quais eu tinha iniciado sem qualquer ideia preconcebida a favor ou contra, e com o desejo mais ardente de alcançar a verdade, cheguei à conclusão positiva de que não apenas as assinaturas daqueles papeis não eram autênticas, mas que a intervenção de outra mente do mundo do espírito não estava provada de modo algum, o fato sendo que nós próprios somos os autores mais ou menos conscientes das comunicações, por algum processo cerebral que ainda aguarda para ser investigado. A explicação não é tão simples como parece, e há algumas reservas a serem feitas na colocação geral acima."

No parágrafo seguinte Flammarion escreve que as comunicações mediúnicas seguem as linhas de nosso pensamento costumeiro, que o idioma empregado é o nativo do médium e que, se nós não estamos certos sobre a forma de escrever certas palavras, erros de ortografia aparecem. A seguir faz a ressalva de que aquilo que acabara de dizer era apenas fruto de sua experiência pessoal, mas que reconhecia que "existem médiuns que atuam de uma maneira completamente mecânica, sem nada conhecer da natureza daquilo que estão escrevendo, que tratam de assuntos dos quais eles são ignorantes, e além disso até escrevem em idiomas estrangeiros". Então ele fala da possibilidade de telepatia, etc.

Páginas à frente, mostrando verdadeiro espírito científico, Flammarion diz o seguinte em relação particularmente aos raps:

(...) There is, of course, an unseen cause that originates these rappings. Is it within us or outside of us ? Is it possible that we might be capable of doubling our personality in some way without knowing it, of acting by mental suggestion, of answering our own questions without suspecting it, of producing material results without being conscious of it ? Or does there exist, around and about us, an intelligent medium or atmosphere, a kind of spiritual cosmos ? Or, again, is it possible that we are surrounded by invisible non-human beings, gnomes, spirits, and hobgoblins (there may be an unknown world about us) ? Or, finally, is it possible that the spirits of the dead may survive, and wander to and fro, and hold communication with us ? All these hypotheses present themselves to our minds, nor have we the scientific absolute right to reject any one of them. (p. 35)

"(...) Há, evidentemente, uma causa invisível que origina essas batidas. Ela está dentro de nós ou fora de nós? É possível que sejamos capazes de dobrar nossa personalidade de alguma forma, sem que saibamos, de agir por sugestão mental, de responder às nossas próprias perguntas sem que suspeitemos, de produzir resultados materiais sem ter consciência disso? Ou será que existe, em torno e sobre nós, um meio inteligente ou atmosfera, uma espécie de cosmos espiritual? Ou, ainda, é possível que nós estejamos cercados por seres invisíveis não-humanos, gnomos, espíritos e duendes (pode haver um mundo desconhecido ao redor de nós)? Ou, finalmente, é possível que os espíritos dos mortos possam sobreviver, e vagar para lá e para cá, e manter comunicação conosco? Todas essas hipóteses apresentam-se às nossas mentes; não temos nós o direito científico absoluto de rejeitar qualquer uma delas."

Leiamos agora o trecho abaixo:

(...) We were speaking, a few pages back, of the séance drawings and descriptions of Jupiter made by Victorien Sardon. This is the proper place to insert a letter written by him to M. Jules Claretie, and published by the latter in Le Temps at the date when that learned Academician was putting on the boards his drama Spiritisme. The letter is here appended : (pp. 44-45)

"Nós estávamos falando, algumas páginas atrás, dos desenhos e descrições de Júpiter feitos por Victorien Sardon. Este é o lugar apropriado para inserir uma carta escrita por ele ao Sr. Jules Claretie e publicada por este último em Le Temps na data em que o erudito acadêmico estava colocando em cartaz seu drama Spiritisme. A carta está aqui anexada:"

. . . As to Spiritualism, I could better tell you verbally in three words what I think of it than I could write here in three pages. You are half right and half wrong. Pardon my freedom of speech. There are two things in Spiritualism, – (1) curious facts, inexplicable in the present state of our knowledge, and yet authenticated; and (2) the folks who explain them. (p. 45)

". . . Quanto ao Espiritismo, eu poderia dizer melhor verbalmente em três palavras o que penso dele do que poderia escrever aqui em três páginas. Você está meio certo e meio errado. Perdoe a minha liberdade de expressão. Há duas coisas no Espiritismo, - (1) fatos curiosos, inexplicáveis no estado atual dos nossos conhecimentos, e contudo autenticados; e (2) as pessoas que os explicam."

The facts are real. Those who explain them belong to three categories: there are, first, Spiritualists who are imbecile, ignorant, or mad, the chaps who call up Epaminondas and whom you justly make fun of, or who believe in the intervention of the devil; those, in short, who end in the lunatic asylum in Charenton. (p. 45)

"Os fatos são reais. Aqueles que os explicam pertencem a três categorias: há, primeiro, espiritualistas que são imbecis, ignorantes, ou loucos, os rapazes que convocam Epaminondas e dos quais você justamente tira sarro, ou que acreditam na intervenção do diabo, aqueles que, em suma, acabam no hospício em Charenton."

Secundo, there are the charlatans, commencing with D. ; impostors of all sorts, prophets, consulting mediums, such as A. K., and tutti quanti. (p. 45)

"Secundo, existem os charlatães, começando com D.; impostores de todos os tipos, profetas, médiuns de consulta, tais como A. K. e tutti quanti."

Finally, there are the scholars and scientists, who think they can explain everything by juggleries, hallucination, and unconscious movements, men like Chevreul and Faraday, who, while they are right about some of the phenomena described to them, and which really are jugglery or hallucination, are yet wrong about the whole series of original facts, which they will not take the trouble to look at, though they are highly important. These men are much to blame; for, by their plea-in-bar against earnest investigators (such as Gasparin, for example) and by their insufficient explanations, they have left Spiritualism to be exploited by charlatans of all kinds, and at the same time authorized serious amateurs to no longer waste their time over these studies. (p. 45)

"Finalmente, existem os estudiosos e cientistas, que pensam que podem explicar tudo por embustes, alucinação e movimentos inconscientes, homens como Faraday e Chevreul, que, conquanto estejam certos sobre alguns dos fenômenos a eles descritos, e que realmente são malabarismo ou alucinação, estão contudo errados sobre toda uma série de fatos originais, que eles não se deram ao trabalho de olhar, embora sejam muito importantes. Esses homens são muito culpados, pois, por sua forte oposição a investigadores sérios (como Gasparin, por exemplo) e por suas explicações insuficientes, eles deixaram o Espiritismo ser explorado por charlatães de todos os tipos e, ao mesmo tempo, autorizaram amadores sérios a não desperdiçarem seu tempo nestes estudos."

Last of all, there are observers like myself (there are not many of us), who are incredulous by nature, but who have been obliged to admit, in the long run, that Spiritualism concerns itself with facts which defy any present scientific explication, but who do not despair of seeing them explained some day, and who therefore apply themselves to the study of the facts, and are trying to reduce them to some kind of classification which may later prove to be law. We of this persuasion hold ourselves aloof from every coterie, from every clique, from all the prophets, and, satisfied with the convictions to which we have already attained, are content to see in Spiritualism the dawn of a truth, as yet very obscure, which will some day find its Ampère, as did the magnetic currents, and who grieve to see this truth choked out of existence by a dual foe, excess of credulous ignorance which believes everything and excess of incredulous science which believes nothing. (pp. 45-46)

"Por último, há observadores como eu (não há muitos de nós), que são incrédulos por natureza mas que foram obrigados a admitir, a longo prazo, que o Espiritismo preocupa-se com fatos que desafiam toda explicação científica atual mas que não desanimam de vê-los explicados algum dia e que, portanto, aplicam-se ao estudo dos fatos, e estão tentando reduzi-los a algum tipo de classificação que possa mais tarde provar-se lei. Nós, dessa opinião, mantemo-nos distantes de todo círculo, de toda 'panelinha', de todos os profetas, e, satisfeitos com as convicções que já temos alcançado, estamos contentes em ver no Espiritismo o alvorecer de uma verdade ainda muito obscura mas que, algum dia, encontrará o seu Ampère, assim como as correntes magnéticas, e sofremos de ver esta verdade sufocada de existência por uma dupla inimiga, o excesso da ignorância crédula, que acredita em tudo, e o excesso da ciência incrédula, que em nada acredita."

We find in our conviction and our conscience the wherewithal to brave the petty martyrdom of ridicule inflicted upon us for the faith we profess, a faith exaggerated and caricatured by the mass of follies people never fail to attribute to us, nor do we deem that the myth in which they dress us up merits even the honor of a refutation. (p. 46)

"Nós encontramos em nossa convicção e nossa consciência os meios para enfrentar o mesquinho martírio do ridículo infligido sobre nós pela fé que professamos, uma fé exagerada e caricaturada pela massa de pessoas insensatas que nunca deixam de atribuí-la a nós, nem julgamos que o mito no qual eles nos revestem merece sequer a honra de uma refutação."

Similarly, I have never had any desire to prove to anybody whatever that the influence of either Molière or Beaumarchais cannot be detected in my plays. It seems to me that that is more than evident. (p. 46)

"Da mesma forma, eu nunca tive qualquer desejo de provar a qualquer pessoa que a influência seja de Molière ou Beaumarchais não pode ser detectada em minhas peças. Parece-me que isso é mais do que evidente."

Respecting the dwellings of the planet Jupiter, I must ask the good folks who suppose that I am convinced of the real existence of these things whether they are well persuaded that Gulliver believed in "Lilliput,"* [* So in the original. Possibly M. Sardou was under the mistaken impression that Gulliver was a nom-de-plume for Dean Swift.- Trans.] Campanella in the "City of the Sun", and Sir Thomas More in his "Utopia." (p. 46)

"Quanto às habitações do planeta Júpiter, devo perguntar à boa gente que supõem que estou convencido da existência real dessas coisas se eles estão bem persuadidos de que Gulliver acreditava em 'Lilliput'* [*Assim no original. Possivelmente o Sr. Sardou estava sob a equivocada impressão de que Gulliver era um pseudônimo de Dean Swift - Trad.], Campanella na 'Cidade do Sol', e Sir Thomas More em sua 'Utopia'."

What is true, however, is that the design of which you speak [Pl. III.] was made in less than ten hours. As to its origin, I would not give a penny to know about that ; but the fact of its production is another matter. (p. 46)

V. SARDOU.

"O que é verdade, porém, é que o projeto de que você fala [Pl. III] foi feito em menos de 10 horas. Quanto à sua origem, eu não daria um centavo para saber sobre isso, mas o fato de sua produção é outra questão.

V. SARDOU."

Depois, Flammarion escreve que dificilmente passava um ano sequer sem que recebesse de médiuns desenhos de plantas e animais na Lua, em Vênus, Marte, Júpiter e em algumas estrelas, mas que nada ali o convencia de que tais desenhos representavam mesmo coisas de outros mundos. Ao contrário, tudo ali provava ser simples produtos da imaginação: as plantas e animais eram apenas metamorfoses das plantas e animais terrestres, e todos os desenhos possuíam padrão similar. E, voltando a falar se suas próprias experiências como médium, reproduz um texto de 1862 em que ele assinou como Galileu (pp. 47-49), após o que comenta:

These were my customary thoughts. They are the thoughts of a student of nineteen or twenty who has acquired the habit of thinking. There can be no doubt that they were wholly the product of my own intellect, and that the illustrious Florentine astronomer had nothing whatever to do with them. Besides, this would have been a collaboration to the last degree improbable. (p. 49)

"Estes eram os meus pensamentos habituais. Eles são os pensamentos de um estudante de dezenove ou vinte anos que tenha adquirido o hábito de pensar. Não pode haver dúvida de que eles foram completamente produto de meu próprio intelecto, e que o ilustre astrônomo florentino não teve nada a ver com eles. Além disso, esta teria sido uma colaboração muitíssimo improvável."

It has been the same with all the communications of the astronomical class : they have not led the science forward a single step. Nor has any obscure, mysterious, or illusive point in history been cleared up by the spirits. We only write that which we know, and even chance has given us nothing. Still, certain unexplained thought-transferences are to be discussed. But they belong to the psychological or Human sphere. (p. 49)

"Tem sido o mesmo com todas as comunicações da classe astronômica: elas não têm levado a ciência para frente um único passo. Nem tem qualquer ponto da história obscuro, misterioso ou ilusório sido esclarecido pelos espíritos. Nós só escrevemos aquilo que sabemos, e até mesmo a sorte nada nos tem dado. Entretanto, certas inexplicáveis transferências de pensamento devem ser discutidas. Mas elas pertencem à esfera psicológica ou humana."

Depois, Flammarion segue criticando algumas das propaladas "informações científicas" relacionadas a Astronomia envolvendo comunicações de espíritos, refutando-as uma a uma.

Os últimos parágrafos deste capítulo que estamos a transcrever, em especial, são deveras interessantes. Vejam:

We may admit that the sub-conscious acts of an abnormal personality, temporarily grafted upon our normal personality, explain the greater part of mediumistic writing communications. We can see in these also the evident effects of auto-suggestion. But these psycho-physiological hypotheses do not explain all observations. There is something else. (p. 60)

"Podemos admitir que os atos subconscientes de um personalidade anormal, temporariamente 'enxertada' sobre nossa personalidade normal, explicam a maior parte das comunicações por escrita mediúnica. Nós podemos ver nestas também os efeitos evidentes da auto-sugestão. Mas essas hipóteses psicofisiológicas não explicam todas as observações. Há algo mais."

We all have a tendency to want to explain everything by the actual state of our knowledge. In the face of certain circumstances, we say to-day : "It is suggestion, it is hypnotism, it is this, it is that." Half a century ago we would not have talked in this way, these theories not having yet been invented. People will no longer talk in the same way half a century, a century, hence, for new words will have been invented. But let us not be put off with words ; let us not be in such a hurry. (p. 60)

"Todos nós temos uma tendência a querer explicar tudo pelo atual estado de nosso conhecimento. Em face de certas circunstâncias, dizemos hoje: 'É sugestão, é hipnotismo, é isso, é aquilo'. Meio século atrás, não teríamos falado dessa maneira, estas teorias não haviam sido ainda inventadas. As pessoas não falarão da mesma forma daqui a meio século, um século, pois palavras novas terão sido inventadas. Mas não vamos dissuadir com palavras; não vamos ser tão apressados.

We must know how to explain in what way our thoughts conscious, unconscious, sub-conscious can strike blows in a table, move it, lift it. As this question is rather embarrassing, Dr. Pierre Janet treats it as "secondary personality," and is obliged to have recourse to the movements of the toes, to the snapping of the muscles of the fibular tendon, to ventriloquism and the deceptions of unconscious accomplices.* [* Psychological Automatism, p. 401-402]. This is not a sufficient explanation. (pp. 60-61)

"Devemos saber como explicar de que forma nossos pensamentos conscientes, inconscientes, subconscientes podem golpear uma mesa, movê-la, levantá-la. Como esta questão é um tanto embaraçosa, Dr. Pierre Janet a trata como uma 'personalidade secundária', e é obrigado a recorrer aos movimentos dos dedos, ao estalar dos músculos do tendão fibular, ao ventriloquismo e aos enganos de cúmplices inconscientes* [*Automatismo Psicológico, p. 401-402]. Esta não é uma explicação suficiente."

As a matter of fact, we do not understand how our thought, or that of another, can cause raps in a table, by which sentences are formed. But we are obliged to admit it. Let us call it, if you please, "telekinesis"; but does that get us any farther along ? (p. 61)

"Na verdade, nós não entendemos como o nosso pensamento, ou aquele de outra pessoa, pode causar batidas em uma mesa, pela qual sentenças são formadas. Mas somos obrigados a admiti-lo. Vamos chamá-lo, se você quiser, 'telecinesia'; mas isso nos leva adiante?"

There has been talk for some years about unconscious facts, about sub-consciousness, subliminal consciousness, etc. I fear that in these things also we are putting ourselves off with words which do not explain things very much. (p. 61)

"Tem sido falado há alguns anos sobre fatos inconscientes, sobre a subconsciência, a consciência subliminar, etc. Temo que nestas coisas também estejamos nos dissuadindo com palavras que não explicam muito as coisas."

I intend some day, if the time is given me, to write a special book on Spiritualism, studied from the theoretic and doctrinal point of view, which will form a second volume of my work The Unknown and Psychic Problems, and which has been in preparation since the publication of that work in 1899. Mediumistic communications, dictations received (notably by Victor Hugo, Mme. de Girardin, Eugène Nus, and the Phalansterians), will be the subject of special chapters in this volume, as well as the problem, otherwise important, of the plurality of existences. (p. 61)

"Pretendo algum dia, se tempo me for dado, escrever um livro especial sobre o Espiritismo estudado a partir do ponto de vista teórico e doutrinal, que formará um segundo volume do meu trabalho O Desconhecido e os Problemas Psíquicos, e que tem estado em preparação desde a publicação desse trabalho em 1899. Comunicações mediúnicas, ditados recebidos (notavelmente por Victor Hugo, Mme. de Girardin, Eugène Nus, e os Falansterianos) serão o tema de capítulos especiais neste volume, bem como o problema, de outro modo importante, da pluralidade das existências."

It is not my intention to enlarge in this place upon the aspects of the general question. That which I restrict myself to establishing in this book is that there are in us, about us, unknown forces capable of putting matter in motion, just as our will does. (...) (p. 61)

"Não é minha intenção discutir neste lugar sobre os aspectos da questão geral. O que eu me restringi a estabelecer neste livro é que há em nós, sobre nós, forças desconhecidas capazes de colocar a matéria em movimento, assim como faz nossa vontade. (...)"

Para finalizar este post, deixo um resumo da posição de Flammarion sobre suas experiências no "grupo de Kardec" (Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas):
1- Os desenhos "mediúnicos" de Victorien Sardou sobre a vida em Júpiter publicados no número de abril de 1858 da Revista Espírita não representavam a realidade, e a assinatura "Bernard Palissy, de Júpiter" era apócrifa (o próprio Sardou pensava o mesmo anos após a confecção dos desenhos);
2- As mensagens "mediúnicas" de Flammarion assinadas como Galileu e publicadas no livro A Gênese, de Allan Kardec, sob o título "Uranografia Geral", de Galileu não tinham nada;
3- Não só as assinaturas das mensagens recebidas no grupo de Kardec durante os dois anos em que Flammarion lá atuou como secretário não eram autênticas, como não havia qualquer indício de que as mensagens eram, de fato, provenientes de Espíritos.

Você, leitor, que talvez seja daqueles que vivem a propagar aos quatro ventos que o trabalho de Kardec foi impecável, ultracientífico, etc. e tal, o que pensa de tudo isso?...

(Este post sofreu leves alterações em 18.06.11)

(Acessando http://pt.scribd.com/doc/66752341/ Flammarion-vs-Kardec você poderá baixar este texto em formato *.pdf - nota de 29.09.11)

domingo, junho 12, 2011

As "pesquisas" do Fiorini

Como recentemente João Alberto Fiorini de Oliveira voltou a dar suas aparições na mídia espírita com as lorotas e mentiras de praxe, acabo de disponibilizar em um hospedeiro de arquivos (vide link abaixo) uma análise de algumas das inúmeras "abobrinhas" dele em suas participações num fórum de discussão sobre Espiritismo em 2009. (Segundo o próprio, suas "informações" entrariam em seu livro Magnetismo e Ectoplasma, agora já lançado e objeto de suas entrevistas recentes.) Achávamos que Fiorini havia aprendido a lição, mas pelo jeito não há óleo de peroba que dê conta de sua "cara de pau"...

Pretendemos em breve, se o tempo nos permitir, realizar uma análise ainda mais detalhada das "pesquisas" fiorínicas. Não obstante a escancarada falta de conhecimento científico e fantasias inventadas pelo dito cujo, infelizmente ele ainda tem encontrado espaço no movimento espírita para espalhar suas invencionices e subinformações, inclusive sendo um dos convidados para o Congresso Espírita FEESP 2011...

Para sua ciência, delegado! (*)

(*) Nota de 10/07/11: Este documento foi retirado do ar hoje, mas posso enviá-lo a quem tiver interesse. Para se ter acesso a um material mais recente sobre o assunto, ver este post.

terça-feira, maio 31, 2011

A crítica de uma crítica

Há exatamente 1 ano atrás enviei a alguns colegas e ao Instituto Cultural Kardecista de Santos (ICKS) meu artigo Sobre "A Física no Espiritismo", uma crítica ao trabalho A Física no Espiritismo, de Érika de Carvalho Bastone, apresentado no VIII Simpósio Brasileiro de Pensamento Espírita, ocorrido de 17 a 19 de outubro de 2003 em Santos-SP. Como recentemente descobri que este trabalho foi disponibilizado na Internet (aqui), sinto-me na obrigação de também disponibilizar meu artigo aos internautas. Para vê-lo, basta clicar no link abaixo.

Sobre "A Física no Espiritismo"

sexta-feira, setembro 03, 2010

Os vários erros de "Mecanismos da Mediunidade"

Palavras de Deolindo Amorim no "Suplemento Literário" do n. 3 do Correio Fraterno do ABC (ano I, março de 1980):

"No campo espírita, sinceramente, a crítica faz muita falta. Há uma espécie de medo de ser irreverente, e, por isso, não se faz crítica, principalmente quando se trata de obras mediúnicas. Tenho, para mim, que é muito inconveniente, senão prejudicial à própria divulgação da Doutrina, o fato de, em determinados casos, se transformar a comunicação mediúnica em TABU. Aceita-se tudo, sem literatura meditada e sem crítica, apenas porque veio do Alto. É um erro muito grave. Penso, por isso mesmo, que o meio espírita precisa intensificar mais o hábito de leitura em profundidade. (...) E a crítica é das nossas necessidades (...)"

Clique no link abaixo e veja um trabalho que enviei à Comissão Editorial da FEB em 09/07/10 e que acabo de tornar público virtualmente devido à demora da referida comissão em tomar uma posição frente aos problemas levantados.

Problemas em "Mecanismos da Mediunidade"

segunda-feira, abril 05, 2010

Pra quem leu a Superinteressante deste mês...

...Leia também meu artigo abaixo:

Sobre a matéria de capa da SUPERINTERESSANTE n. 277: Chico Xavier


José Edmar Arantes Ribeiro

Introdução

A última saída da revista SUPERINTERESSANTE teve a figura de Chico Xavier como tema de sua principal matéria, que segue da pág. 50 à pág. 59 do número em questão da revista, já referido no título deste artigo.
No índice do número da revista em questão, é afirmado, com relação à matéria em foco: “A SUPER foi a Minas Gerais descobrir como o médium virou um mito. Encontrou histórias de fé e de mistério – e alguns efeitos especiais”. Entretanto, como poderá ser visto em alguns dos itens que discutiremos na subseção “Leviandades” deste artigo, nenhuma pesquisa mais cuidadosa fora feita no sentido de embasar afirmações como a da existência de “efeitos especiais” envolvendo a fenomenologia de Chico Xavier.
Na seção “Escuta”, destinada a palavras do diretor de redação da revista, com o título “Com todo respeito”, Sérgio Gwercman nos diz: “Respeito você vai encontrar em cada página da reportagem escrita por Gisela Blanco (...) Porque o jornalismo existe nas perguntas (...) É assim que trabalhamos aqui na SUPER”. Infelizmente, não é verdade que encontramos respeito em cada página escrita por Gisela Blanco (basta ver a seção “Leviandades”, abaixo). Igualmente, não é verdade que a “SUPER” adotara o princípio do questionamento saudável na matéria em questão: a maior parte da reportagem é constituída de afirmações irresponsáveis, que buscam disfarçadamente, porém a todo custo, reduzir a figura de Chico Xavier a de um mistificador carismático.
Nas linhas que seguem analisaremos detalhadamente os problemas apresentados na reportagem em foco.

Análise

Os vários problemas apresentados na reportagem serão divididos, à título didático e por ordem de gravidade, em cinco classes: (1) Uma Colocação Fora de Contexto; (2) Um Boxe que Nada Explica; (3) Informações Erradas; (4) Conceitos Errados; (5) Leviandades.

Uma Colocação Fora de Contexto
Em meio às suas considerações sobre as repercussões no meio literário da obra Parnaso de Além-Túmulo, psicografada por Chico Xavier e atribuída a espíritos de poetas brasileiros e portugueses, a autora da matéria nos diz:
“A história dividiu o mundo da literatura. Alguns desconfiavam de que tudo não passava de uma fraude. A viúva de Humberto de Campos até tentou na Justiça, sem sucesso, levar os direitos autorais sobre as obras psicografadas do marido. Mas outros o defendiam. ‘Se Chico Xavier produziu tudo aquilo por conta própria, merece quantas cadeiras quiser na Academia Brasileira de Letras’, declarou Monteiro Lobato”. (Págs. 55-56)
O trecho sobre a viúva de Humberto de Campos está fora de contexto. Chico Xavier só começara a psicografar Humberto de Campos em 1935, três anos após a publicação do Parnaso. Além disso, o caso Humberto de Campos iria ocorrer somente em 1944, doze anos após a publicação do Parnaso! E mais: neste caso, a viúva pedia à Justiça um posicionamento justamente na decisão sobre a autenticidade das mensagens atribuídas à Humberto de Campos. Caso a decisão fosse favorável, a viúva acataria e exigiria os direitos autorais, de modo que este caso não serve para ilustrar a posição daqueles que consideravam que tudo não passava de fraude.

Um Boxe que Nada Explica
A autora, no boxe “A Ciência e Chico Xavier”, à pág. 56, após dizer que, para cientistas, a explicação da fenomenologia de Chico Xavier estaria em um meio-termo entre a fraude e a hipótese espírita, simplesmente aloca definições de psicose, epilepsia, criptomnésia e telepatia, sem apresentar quaisquer posições de cientistas de que os conceitos mencionados explicariam o caso Chico Xavier!... Não bastasse isso, duas de suas definições estão equivocadas, o que será discutido na seção “Conceitos Errados”, mais abaixo.

Informações Erradas
1. À pág. 51, a autora diz que a origem de toda a história do fenômeno Chico Xavier foram as cartas dos mortos, e nas páginas seguintes (até a pág. 55) ilustra a afirmação com episódios de pessoas que teriam recebido cartas de seus filhos ou irmãos falecidos. Errado! Chico Xavier começou escrevendo versos de poetas brasileiros e portugueses mortos, que apareceram em Parnaso de Além-Túmulo, obra publicada em 1932 pela Federação Espírita Brasileira que chamou a atenção de vários intelectuais brasileiros pelo estilo dos poemas, fiel ao dos autores aos quais eles eram atribuídos.
2. À pág. 54, é dito que Waldo Vieira fundara um centro de estudos religiosos em Foz do Iguaçu. Errado! O centro fundado por Waldo Vieira é voltado ao estudo da consciência, e não tem caráter religioso.
3. À pág. 56, Gisela Blanco escreve o seguinte:
“O que você veria se estivesse na plateia de Chico Xavier na década de 1940? Pra começar, um médium sentado em frente a uma cortina, a cerca de 10 metros dos espectadores. (...) Lentamente, vultos brancos apareceriam – os médiuns explicavam que eram espíritos que haviam se materializado”.
Errado! Primeiramente, ao que nos consta, Chico Xavier somente iniciara sua participação como médium de materializações no fim da década de 40, e de forma esporádica, deixando de atuar como tal em 1953. Depois, nas sessões de materialização, não eram os médiuns que explicavam que os vultos eram espíritos materializados: isto podia ser deduzido pelos próprios espectadores.
4. À pág. 57, a autora escreve, referindo-se com ironia aos fenômenos de materialização envolvendo Chico Xavier: “Com shows como esses, Chico foi ficando famoso, graças a reportagens como uma publicada em 1944 por O Cruzeiro (...)”. Errado! A reportagem publicada em 1944 pela O Cruzeiro não tratou de fenômenos de materialização envolvendo Chico Xavier. E nem poderia! Nesta época Chico Xavier não atuava como médium para este tipo de fenômeno.

Conceitos Errados
1. No final da seção em que a autora trata das cartas de falecidos enviadas a parentes próximos através de Chico Xavier, fenômeno que erroneamente (vide item 1 de nossa seção anterior) fora considerado dentre as primeiras manifestações mediúnicas de Chico Xavier, a autora nos diz o seguinte: “(...) A verdadeira polêmica surgiria no outro filão do médium: os romances” (pág. 55). Entretanto, se lermos os parágrafos seguintes da nova seção (“A Polêmica”), verificaremos que ali o assunto tratado é o livro Parnaso de Além-Túmulo, que é constituído de... poemas e poesias. A autora parece não saber o que é um “romance”...
2. À pág. 56, a autora enfeixou sob o termo “psicose” todos os quadros ditos dissociativos, o que não é aceito pela Associação Americana de Psiquiatria desde 1994 (vide Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders), e também considerou “criptomnésia” como um distúrbio da memória, quando não há qualquer razão para categorizar este fenômeno, genericamente, como “distúrbio”.
3. Sobre o fenômeno da materialização de espíritos, a autora, Gisela Blanco, às páginas 56-57, escreve o seguinte:
“Registre-se: materializar uma pessoa, ou fazer surgir massa do nada equivalente a um homem de 70 quilos, não seria tarefa fácil. Seria necessário produzir um total de energia duas vezes maior do que é hoje produzido pela hidrelétrica de Itaipu por ano, segundo os cálculos feitos por especialistas e exibidos por reportagens sobre Chico nos anos 70”.
Aqui, a autora mistura alhos com bugalhos. O processo de materialização de espíritos não está relacionado à produção de matéria “do nada”. Segundo informações dos próprios espíritos, aceitas e de certa forma já verificadas por pesquisadores da fenomenologia espírita como o russo Alexandre Aksakof (1832-1903), o italiano Ernesto Bozzano (1862-1943) e o brasileiro R. A. Ranieri (1919-1989), o referido processo se daria à custa da “desmaterialização” do médium (em maior escala) e dos participantes das sessões (em menor escala).

Leviandades
1. Em caixa alta na primeira página da reportagem (pág. 50), a autora do texto, Gisela Blanco, nos diz que fora o mito Chico Xavier que fizera brasileiros de todos os credos acreditarem em vida após a morte, que mudara a vida de famílias desconsoladas e que colocara a Ciência em busca de respostas para seus fenômenos. A matéria, entretanto, não dá subsídios para tal afirmação. Fora o homem Chico Xavier o responsável por tudo aquilo.
2. Às págs. 52-53, lemos o seguinte (grifo nosso): “(...) Célia representa o público cativo de Chico: as mães. Atrás de notícias dos filhos mortos, elas compareciam em massa nos dois centros que Chico teve (...)”. Aqui a autora procura imputar um caráter de sedutor ou algo do tipo a Chico Xavier. Pura leviandade.
3. À pág. 54, vemos em letras garrafais: “Show de materialização de espíritos e truques para incrementar as sessões de psicografia. O lado pirotécnico de Chico Xavier provocou desconfiança”. Além do comentário estar desvinculado do assunto tratado nas páginas 54-55, a autora desconhece, ou finge desconhecer, que as sessões de materialização não tinham qualquer conotação de espetáculo. Além disso, levianamente, afirma que Chico usara de truques em suas sessões de psicografia, sem ao menos discutir mais amplamente a questão ao longo do texto sobre o assunto, às páginas 56-57, apenas fazendo referência ao caso de um fotógrafo da revista Realidade que, em 1971, teria visto um assessor de Chico Xavier borrifar perfume no ar...
4. À pág. 56, Gisela Blanco nos diz que a desconfiança dos críticos de Parnaso de Além-Túmulo tinha razão de ser:
“Apesar de não ter ido longe na escola, Chico foi autodidata e leitor voraz durante toda a vida. Colecionou cadernos com recortes de textos e poesias. Comprou livros de sebos em São Paulo. Em sua biblioteca, preservada até hoje em Uberaba, há mais de 500 livros e revistas, com obras em inglês, francês e até hebraico. A lista inclui volumes de autores cujo espírito o teria procurado para escrever suas obras póstumas, como Castro Alves e Humberto de Campos”.
Mas tem o seguinte: leitor voraz ou não, a autora deixa de revelar, talvez propositadamente, que a biblioteca de Chico Xavier, que ela afirma ter mais de 500 livros e revistas, foi constituída ao longo de toda a vida do médium mineiro, de 92 anos, e que inclui os mais de 400 livros que ele próprio psicografou!... Além disso, o trecho está fora de contexto, pois o tema tratado era Parnaso de Além-Túmulo, primeiro livro de Chico Xavier, muito anterior à biblioteca que ele viria a formar.
5. Ainda à pág. 56, após dizer que das investidas da imprensa Chico Xavier não escaparia (“Eles queriam explicações não só para a linha direta que Chico dizia ter com as celebridades do outro lado, mas também para alguns shows que o médium andava fazendo por aí”), a autora inicia uma subseção com o título “A pirotecnia”, sempre procurando incutir um tom humorístico à sua reportagem. O curioso é que Gisela Blanco fala nesta subseção de uma reportagem de 1944 da revista O Cruzeiro, de uma denúncia de Chico Xavier por um sobrinho e sobre o programa Pinga-Fogo de 1971 do qual Chico participara. Estes tópicos, porém, nada tem a ver com o que ela denomina “pirotecnia”. Pirotécnica parece-nos a falta de clareza da autora...
6. Ainda sobre as sessões de materialização de espíritos envolvendo Chico Xavier, à página 56 encontramos: “Os personagens principais da noite eram médiuns de outras cidades, acostumados a rodar o país com seus shows”. Como já afirmado no item 3 acima, as sessões de materialização não objetivavam meras mostras espetaculares.
7. À pág. 57, a autora escreve:
“(...) Acuado pelas críticas na Pedro Leopoldo de 15 mil habitantes, Chico resolveu fazer as malas e partir para Uberaba, um pólo do espiritismo onde contaria com o apoio de amigos. Mas não adiantou muito. A imprensa seguiu na cola. Em 1971 (...)”
Chico Xavier não saíra “fugido” de Pedro Leopoldo, em decorrência de críticas, como o trecho acima parece indicar. Além disso, ao ilustrar como a imprensa seguiu “na cola” de Chico após sua mudança para Uberaba, ocorrida em 1959, a autora cita uma reportagem de 1971, doze anos após... Se pesquisasse melhor, poderia encontrar uma reportagem anterior muito mais ilustrativa ao seu objetivo de denegrir Chico Xavier, como a publicada em uma das edições da revista O Cruzeiro de 1964.
8. Ainda à pág. 57, referindo-se à participação de Chico Xavier em 1971 do programa Pinga-Fogo, da TV Tupi, a autora escreve: “Por quase 3 horas, o médium foi bombardeado por perguntas. Mas se safou”. Ora, safar-se é esquivar-se, escapulir-se, fugir. Assim referindo-se à atuação de Chico Xavier no Pinga-Fogo, a autora parte do pressuposto de que ele teria algo a esconder. Lamentável! Muita falta de imparcialidade.
9. À pág. 58, em garrafais (recurso comum utilizado na reportagem para escancarar as leviandades da autora), lemos: “Órfão maltratado na infância, um piadista quando adulto, vítima de uma série de doenças na velhice. Não foi à toa que Chico Xavier conquistou a compaixão de todo o país”. Esta tentativa de desqualificar o real trabalho de Chico Xavier, imensurável, tanto no campo do assistencialismo espiritual quanto material, não foi bem-sucedida. Desde quando ser piadista conquista a compaixão das pessoas? Será que os responsáveis pela matéria não sabem o que significa “compaixão”?...
10. À pág. 59, a autora escreve: “Uma imagem captada pela TV Globo mostrou um raio de sol entrando no quarto do medium [sic] exatamente no dia em que Chico teve uma melhora repentina”. Seria mesmo um raio de sol? Cadê as fontes que atestam isto?
11. Também à pág. 59, última do artigo, arrematando o festival de imprudência exibido ao longo de suas páginas, lemos no boxe “A Indústria de Chico Xavier”:
Dieta do Chico Xavier: revista dos anos 80 publicavam o ritual – meio copo de água pela manhã, com grãos de arroz dentro do copo representando o número de quilos que se quer perder”.
Aqui, a matéria procura imputar um caráter ridículo à figura de Chico Xavier e tenta, sorrateiramente, ludibriar o leitor, que poderia pensar que tal dieta fora realmente prescrita pelo médium mineiro, o que não é verdade.

Conclusão

Acreditamos ter deixado claro, pelas considerações acima, que a reportagem “Chico Xavier”, veiculada na revista SUPERINTERESSANTE deste mês de abril de 2010 (n. 277), deixa a desejar em quatro aspectos do labor jornalístico de imprensa: ético (vide seção “Leviandades”), cultural (vide seção “Conceitos Errados”), investigativo (vide seção “Informações Erradas” e itens 7 e 10 da seção “Leviandades”) e redacional (vide a “Introdução”, as seções “Um Boxe que nada Explica” e “Uma Colocação Fora de Contexto”, e também os itens 4, 5, 9 e 10 da seção “Leviandades”), e nada mais temos a acrescentar. Como conclusão, apenas uma pergunta: uma revista dessas é confiável?... 
 
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[NOTA de 13/04/10: O artigo acima saiu na seção "Feitos & Desfeitas" do Observatório da Imprensa n. 585, de hoje, 13/04/10 (aqui). Veja lá! Sobre os pontos mencionados no artigo, aproveito aqui para mencionar mais quatro (três informações erradas e uma leviandade), notados quando ele já havia sido submetido ao OI:
1- À pág. 54, é dito que Waldo Vieira dividira o trabalho em seu centro em Uberaba com Chico de 1955 a 1969. Errado! O período correto é 1959-1966.
2- À pág. 55, é dito que os poemas de Parnaso de Além-Túmulo foram reconhecidos à sua época como "razoavelmente fiéis ao estilo dos autores" que os assinavam, mas isto não é bem verdade. Eles foram reconhecidos como "muito fiéis", conforme pode ser visto da opinião de Agrippino Grieco, então acadêmico da Academia Brasileira de Letras, na obra A Psicografia Ante os Tribunais, de Miguel Timponi.
3- À pág. 59, é dito que o nome do filme sobre Chico Xavier que estrearia neste mês de abril era As Vidas de Chico Xavier, quando na realidade seu nome é Chico Xavier - O Filme.
4- Nessa mesma página, no item "Para Saber Mais", foi dado como referência o livro The Psychic Mafia, que trata das fraudes cometidas por um ex-mágico comentadas pelo mesmo, induzindo o leitor a pensar que Chico usara também de truques de mágica. Mais uma dentre as tantas leviandades de Gisela Blanco, autora da matéria.]

[NOTA de 14/04/10: Foi suprimido um trecho equivocado do artigo acima.]

[NOTA de 12/05/10: Além dos pontos mencionados na nota de 13/04/10, no item 3 da seção "Informações Erradas" do artigo, como referência, eu deveria também ter mencionado o livro As Vidas de Chico Xavier, do jornalista Marcel Souto Maior, onde as citadas datas aparecem.]

segunda-feira, fevereiro 15, 2010

Os espiritismo de Kardec

José Edmar Arantes

No início da 1a. edição de Le Livre des Esprits (O Livro dos Espíritos), datada de 1857, na seção "Introduction à l'étude de la doctrine spirite" (Introdução ao estudo da doutrina espírita), Allan Kardec escreve o seguinte (negrito meu):

"(...) le spiritualisme est le opposé du matérialisme; quiconque croit avoir en soi autre chose que la matière est spiritualiste; mais il ne s'ensuit pas qu'il croie à l'existence des esprits ou à leurs communications avec le monde visible. Au lieu des mots spirituelspiritualismenous employons, pour désigner cette dernière croyance, ceux de spirite et de spiritisme, dont la forme rappelle l'origine et le sens radical, et qui par cela même ont l'avantage d'être parfaitement intelligibles. Nous dirons donc que la doctrine spirite ou le spiritisme consiste dans la croyance aux relations du monde matériel avec les esprits ou êtres du monde invisible".

Em uma tradução livre:

"(...) o espiritualismo é o oposto do materialismo; quem quer que creia haver em si outra coisa além da matéria é espiritualista; mas daí não resulta que creia na existência de espíritos ou em suas comunicações com o mundo visível. Em lugar das palavras espiritualespiritualismonós empregamos, para designar esta última crença, os vocábulos espírita e espiritismo, cuja forma recorda a origem e o sentido radical, e por isso têm a vantagem de serem perfeitamente inteligíveis. Nós diremos portanto que a doutrina espírita ou espiritismo consiste na crença em relações do mundo material com os espíritos ou seres do mundo invisível".

Ou seja, espiritismo seria simplesmente a crença na existência de espíritos e em suas comunicações com o mundo visível.

Pois bem. Em 1858 Kardec publica seu livro Instructions Pratiques sur les Manifestations Espirites (Instruções Práticas sobre as Manifestações Espíritas), que serviu de base para Le Livre des Mediums (O Livro dos Médiuns), publicado originalmente em 1861. No Brasil, o Instructions foi traduzido por Cairbar Schutel (Casa Editora O Clarim) e por Julio Abreu Filho (Ed. Pensamento). Em seu "Vocabulário Espírita" consta:

"Espiritismo: doutrina fundada sobre a crença na existência dos Espíritos e em sua comunicação com os homens".

Ou seja, o que antes foi definido apenas como uma crença passou a ser considerado uma doutrina fundada sobre a tal crença...

Em 1859 foi publicado, de Kardec, Quest-ce que le Spiritisme (O que é o Espiritismo) [1]. Neste livro, o codificador diz o seguinte à pág. 2 do "Préambule" :

"Pour répondre, dès à présent, à la question formulée dans notre titre , nous dirons que : le Spiritisme est la doctrine fondée sur l'existence des Esprits , ou êtres incorporels du monde invisible, et leurs rapports avec le monde corporel. On peut encore dire que : le Spiritisme est la science de tout ce qui se rattache à la connaissance des Esprits ou du monde invisible."

Em tradução livre:

"Para responder, agora, à questão colocada no nosso título, diremos que: o espiritismo é a doutrina baseada na existência de espíritos, ou seres incorpóreos do mundo invisível, e suas relações com o mundo corporal. Pode-se também dizer que: o espiritismo é a ciência de tudo o que se relaciona com o conhecimento dos espíritos ou do mundo invisível."

Ou seja, em linhas gerais, Kardec reiterou o que dissera em sua obra anterior.

Em 1860 foi a vez do surgimento da 2a. edição de Le Livre des Esprits, a "edição definitiva", utilizada como base para as principais traduções do livro no Brasil. Na versão de Guillon Ribeiro (Federação Espírita Brasileira -- FEB), consta o seguinte na parte I da "Introdução ao estudo da doutrina espírita" (negritos meus):

"(...) o espiritualismo é o oposto do materialismo. Quem quer que acredite haver em si alguma coisa mais do que matéria, é espiritualista. Não se segue daí, porém, que creia na existência dos Espíritos ou em suas comunicações com o mundo visível. Em vez das palavras espiritualespiritualismoempregamos, para indicar a crença a que vimos de referir-nos, os termos espírita e espiritismo, cuja forma lembra a origem e o sentido radical e que, por isso mesmo, apresentam a vantagem de ser perfeitamente inteligíveis, deixando ao vocábulo espiritualismo a acepção que lhe é própria."

Ou seja, neste trecho Kardec manteve o conceito que externara na 1a. edição de Le Livre des Esprits a respeito da palavra.

Porém, logo a seguir, tentando implementar ali a definição utilizada no Instruções Práticas sobre as Manifestações Espíritas (1858), ele acaba por se contradizer (negrito meu):

"(...) Diremos, pois, que a doutrina espírita ou o Espiritismo [nota: no original francês aparece spiritisme, ou seja, em itálico e sem a inicial maiúscula] tem por princípio [nota: no original francês consta pour principes] as relações do mundo material com os Espíritos ou seres do mundo invisível."

Ou seja, "espiritismo" deixou de ser a crença nas comunicações dos Espíritos com o mundo visível para ser algo que tem as nossas relações com os Espíritos apenas como pressuposto inicial...

É um vai e vem que não acaba mais!

Aqui, neste blog, tomaremos por base a definição de "espiritismo" dada por Kardec na 1a. edição de Le Livre des Esprits (1857), que se apresenta livre de quaisquer inconsistências, além de ser extremamente simples e abrangente:

ESPIRITISMO - Crença na existência de Espíritos e de relações destes com o mundo material.

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[1] Na página de dados editoriais da 49a. edição desta obra pela FEB (março de 2004), e muito provavelmente também na de todas as edições do livro publicadas a partir do início da década de 70 (quando tal página foi instituída nas publicações FEB), somos informados de que a edição em foco trata-se de uma tradução da versão original francesa da obra, de 1859. Pura mentira! A tradução ali apresentada é da edição definitiva da obra, a sexta, de 1865, "refundida e consideravelmente aumentada", onde Kardec mete os pés pelas mãos e acaba criando uma teia de contradições inaceitável em sua tentativa de definir "Espiritismo". Leiamos parte do "Preâmbulo" da obra em sua citada edição pela FEB (49a., março de 2004):

"Para responder, desde já e sumariamente, à pergunta formulada no título deste opúsculo, diremos que: O ESPIRITISMO É, AO MESMO TEMPO, UMA CIÊNCIA DE OBSERVAÇÃO E UMA DOUTRINA FILOSÓFICA. COMO CIÊNCIA PRÁTICA ELE CONSISTE NAS RELAÇÕES QUE SE ESTABELECEM ENTRE NÓS E OS ESPÍRITOS; COMO FILOSOFIA, COMPREENDE TODAS AS CONSEQÜÊNCIAS MORAIS QUE DIMANAM DESSAS MESMAS RELAÇÕES. Podemos defini-lo assim: O Espiritismo é uma ciência que trata da natureza, origem e destino dos Espíritos, bem como de suas relações com o mundo corporal".

Dois pontos nos saltam aos olhos após a leitura deste trecho:

1- Ao resumir sua definição, dizendo que o Espiritismo seria "uma ciência que trata da natureza, origem e destino dos Espíritos, bem como de suas relações com o mundo corporal", Kardec contradiz o que havia acabado de dizer, ou seja, que o Espiritismo seria uma ciência de observação e uma doutrina filosófica, pois que "natureza, origem e destino" dos Espíritos é um assunto que não é subsidiado nem pelo estudo observacional das manifestações mediúnicas, nem pelas consequências morais concernentes ao Espiritismo entendido como doutrina filosófica. Foram apresentadas, assim, duas definições completamente distintas de "Espiritismo", o que é um problema;
2- Não bastasse isso, pode-se facilmente verificar que ambas as definições contrastam tanto com a fornecida por Kardec no início de Le Livre des Esprits, como com aquela do "Vocabulário Espírita" que aparece em Instruções Práticas sobre as Manifestações Espíritas (e também em O Livro dos Médiuns), que seria reproduzida quase literalmente na 1a. edição de Quest-ce que le Spiritisme.

Resumindo: na versão definitiva desta obra, Kardec foi infeliz em sua tentativa de definição de "Espiritismo". Curiosamente, tem gente que ainda briga (tentando se justificar justamente com o trecho contraditório que reproduzimos acima!) dizendo que "isto é Espiritismo", "aquilo não é Espiritismo", etc. Convenhamos!...
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# A versão acima é de 01/06/2013.