sexta-feira, janeiro 29, 2021

Uma citação falsificada por um intelectual de umbanda

Diamantino Coelho Fernandes foi uma das figuras-chave no trabalho de validação da umbanda perante a sociedade. Tendo sido um dos organizadores do Primeiro Congresso Brasileiro de Espiritismo de Umbanda, ocorrido no Rio de Janeiro em 1941, suas duas teses ali apresentadas esbanjam erudição. Certo ponto porém de seu trabalho "O espiritismo de umbanda na evolução dos povos" nos chamou a atenção:
Trouxeram a Umbanda, no recôndito de suas almas atribuladas de escravos, vendidos como mercadoria de feira aos grão-senhores do Brasil, os primeiros sudaneses e bantus que aqui chegaram cerca do ano de 1530, procedentes de Angola, da Costa dos Escravos, do Congo, da Costa do Ouro, do Sudão e de Moçambique (Edison Carneiro, Religiões negras, Civilização Brasileira, 1936).
Isto não consta na obra referenciada! O autor simplesmente falsificou a autoria do trecho para tentar dar credibilidade à informação ali contida. (Edison Carneiro foi um respeitado etnólogo brasileiro.)

Nota: Diamantino Coelho Fernandes já havia se desvinculado da umbanda no fim da década de 1940, tornando-se então um dos propagandistas da obra Vida de Jesus ditada por Ele Mesmo e da "corrente vibratória" Círculo Espiritual do Amor de Jesus, acreditando "cumprir instruções recebidas através de luminoso mensageiro de Jesus". Na década de 1960 começou a publicar títulos como suposto médium de espíritos da envergadura de Maria de Nazareth, por exemplo. Acreditava-se a reencarnação do Apóstolo Thiago. Em fevereiro de 1970, "por determinação do Senhor Jesus" mediado pelo espírito do Apóstolo Thomé, trouxe à Terra a Nova Ordem de Jesus, "instituição espiritualista, beneficente e cultural"...

terça-feira, novembro 03, 2020

Proposta para definição de "umbanda"

Conforme dissemos na postagem anterior (aqui), a Linha Branca de Umbanda, com o tempo, passou a se denominar simplesmente Umbanda. Propomos abaixo uma definição que acreditamos enfeixar suas características nucleares.

Umbanda — Prática religiosa com o objetivo de libertar obsessões e curar moléstias espirituais, realizada nos chamados terreiros1, fundamentada na fé em um deus maior (Zâmbi), em divindades do panteão iorubano2 e em santos católicos, e caracterizada por ritualística própria (defumações, cantos ritmados, etc.), mediunismo ostensivo e manifestações de espíritos arquetipicamente classificados (caboclos, pretos-velhos, crianças, etc., além de, ocasionalmente, exus3).

1 Na umbanda deturpada (vide nota 2) os locais de culto são denominados tendas espíritas ou mesmo centros espíritas, como no kardecismo
2 Já em meados da década de 1910, foi iniciado um movimento que, sob a justificativa de "purificação dos trabalhos de magia nos terreiros", para "expurgar Umbanda do rito essencialmente africanista" (vide pág. 15 do periódico O Semanário de número 91, 2 a 9 de janeiro de 1958), acabou distorcendo-a completamente. Foi desconsiderada a existência das divindades do panteão iorubano (no mínimo cinco delas eram cultuadas: Oxalá, Iemanjá, Xangô, Oxóssi e Ogum) e utilizados seus nomes para "apelidar" ícones do catolicismo (vide, por exemplo, os livros "O Espiritismo, a Magia e as Sete Linhas de Umbanda", Leal de Souza, 1933, e "Umbanda - magia branca e Quimbanda - magia negra", Lourenço Braga, 1942), prática que já era comum em algumas macumbas (vide "O Negro Brasileiro", Arthur Ramos, 1934). Foram também abolidos os atabaques e outros instrumentos de percussão. Para piorar, foi criado o artificalismo das ditas sete linhas (vide aqui), algo completamente estranho à prática religiosa original. (Por incrível que pareça, boa parte, senão a maior, dos terreiros atuais seguem toda essa deturpação)
3 Enquanto alguns autores umbandistas, como Leal de Souza e Lourenço Braga, consideram os exus entidades com individualidade (vide obras citadas), outros, como João de Freitas, têm opinião bastante diversa, considerando que exus não seriam almas ou espíritos, mas frutos da ação do pensamento do médium sobre certos fluidos sutis (vide livro "Exu na Umbanda", 1971)

— Texto modificado em novembro de 2024

quinta-feira, setembro 24, 2020

Linha Branca de Umbanda e Linha Negra de Umbanda

(Edmar Arantes)

Muitos afirmam, como Lourenço Braga em Umbanda (magia branca) e Quimbanda (magia negra), e o próprio título da obra já o diz, que o termo "umbanda" refere-se especificamente a magia branca. Isso não parece ser verdade.

O citado autor diz o seguinte:

"Não devemos dizer 'Linha Branca de Umbanda' e nem 'Linha de Umbanda', no sentido que muita gente emprega quando se refere a Umbanda. Se dissermos 'Linha Branca de Umbanda', compreender-se-á logo que há também 'Linha Negra de Umbanda', isto é, que na Umbanda há magia negra. É um grande erro, tal afirmativa! Umbanda é Magia Branca!" (BRAGA, 1942, p. 24)

Héli Chatelain, notável linguista e estudioso do quimbundo, por outro lado, na nota 180 (p. 268) de sua obra Folk-tales of Angola (1894) diz o seguinte (grifo meu):

"U-mbanda is derived from Ki-mbanda, by prefix u-, as u-ngana is from ngana. Umbanda is: 1) The faculty, science, art, office, business (a) of healing by means of natural medicines (remedies) or supernatural medicines (charms); (b) of divining the unknown by consulting the shades of the deceased or the genii, demons, who are spirits neither humans nor divine; (c) of inducing these human and non-human spirits to influence men and nature for human weal or woe. 2) The forces at work in healing, divining, and the influence of spirits. 3) The objects (charms) which are supposed to establish and determine the connection between the spirits and the physical world." (apud RAMOS, 1934, pp. 88-89, rodapé)

Em uma tradução livre:

"U-mbanda deriva-se de Ki-mbanda pelo prefixo u-, como u-ngana vem de ngana. Umbanda é: 1) a faculdade, ciência, arte, profissão, ofício: a) de curar por meio de medicina natural (remédios) ou de medicina sobrenatural (encantamentos, feitiços); b) de adivinhar o desconhecido pela consulta às almas dos mortos ou aos gênios, demônios, que são espíritos nem humanos nem divinos; c) de induzir estes espíritos, humanos ou não, com vistas a influenciar os homens e a natureza para a cura ou o infortúnio humanos. 2) As forças agindo na cura, adivinhação e influência dos espíritos. 3) Os encantamentos e feitiços que se supõem estabelecer e determinar a ligação entre os espíritos e o mundo físico".

Ou seja, dentro do conjunto de significados de "umbanda" também se encontrava a dita magia negra.

No Brasil, os significados expostos por Héli Chatelain foram de certa forma reunidos. Arthur Ramos afirma que alguns negros e mestiços cariocas utilizavam a expressão Linha de Umbanda para designar certa prática religiosa (RAMOS, 1934, p. 89). Deduzimos, por inferência, que tal prática seria caraterizada pela presença de um "sacerdote" (o pai-de-santo ou chefe de terreiro) que teria o que foi descrito em 1 (o que já inclui a crença em 2 e 3), e numa atitude de devoção e respeito de seus pacientes/consulentes frente aos espíritos, humanos ou não, acessados por ele. Nesta direção, não é de todo desarrazoado falar-se em Linha Branca de Umbanda e em Linha Negra de Umbanda. Aquela seria a Linha de Umbanda em que o pai-de-santo teria 1c restrito para a cura, enquanto a outra seria a Linha de Umbanda sem 1a e com 1c restrito para práticas maléficas, causadoras de infortúnio.

Arthur Ramos afirma que alguns negros e mestiços cariocas utilizavam a expressão Linha de Umbanda para designar certa prática religiosa (RAMOS, 1934, p. 89). Se considerarmos, a par disso, a definição dada por Chatelain, Linha Branca de Umbanda seria a prática religiosa baseada na magia branca, enquanto Linha Negra de Umbanda seria aquela baseada na magia negra.

Nota 1: A partir da década de 1940 tais expressões foram caindo em desuso. Como a própria obra de Lourenço Braga indica, Linha Branca de Umbanda acabou substituída por apenas Umbanda, em clara restrição do significado original da palavra, de conotações mais amplas, e Linha Negra de Umbanda deu espaço à palavra Quimbanda, que acabou se estabelecendo.
Nota 2: Alguns quimbandeiros alegam que na Quimbanda também se praticam curas. Neste caso, a magia branca não seria característica distintiva da Umbanda.

BRAGA, Lourenço. Umbanda (magia branca) e quimbanda (magia negra), Livraria Jacintho, 1942
RAMOS, Arthur. O negro brasileiro, Civilização Brasileira, 1934

segunda-feira, junho 08, 2020

Curiosidade editorial sobre "O Atalho" (Luciano dos Anjos, Publicações Lachâtre, 1995)

Logo que tomei em mãos O Atalho, obra de Luciano dos Anjos impressa em março de 1995, conforme página de dados editoriais, me intriguei com duas informações aparentemente destoantes, também constantes ali: a catalogação-na-fonte registra o ano 1993, mas o copyright é de 1994... O fato da última folha do livro ser colada na terceira capa também me intrigou. Explicação para tudo isso: já com a obra catalogada (ano: 1993, 328 p.), e portanto pronta para ser impressa, Luciano tratou de continuar a modificá-la... Coisa incrível! Ao contrário do que é explicitamente afirmado no Posfácio (datado de março de 1991), a revisão final não terminara naquela data. Basta ver que na Bilbiografia é citada, por exemplo, a referência Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 26.01.1995... Ou seja, é falso que o copyright da obra seja de 1994. Vale ressaltar também que as alterações levadas a cabo por dos Anjos resultaram em uma diminuição do número de páginas (de 328 para 326). Então, para que a obra permanecesse concorde com o registro, a editora, miserável, em lugar de criar uma folha extra para colocar o colofão no verso, tratou de indexar a primeira página do Sumário como p. 9 (na realidade é p. 7), resultando na última página, que apresentou o colofão, numerada como 328 (na realidade é 326)... E, como 326 não é um múltiplo de 4 (condição necessária para a formação dos "cadernos" de um livro), a última folha precisou ser colada na terceira capa!

sexta-feira, junho 05, 2020

"O espiritismo, a magia e as sete linhas de umbanda" -- versão falsificada

A versão em PDF de "O espiritismo, a magia e as sete linhas de umbanda" (Leal de Souza, 1933) difundida pelos sites Biblioteca Virtual Espírita (bvespirita.com), Casa Espírita São Pedro (www.casaespiritasaopedro.com.br) e Núcleo Mata Verde (mataverde.org) foi adulterada do original. Os seis últimos parágrafos do capítulo III foram simplesmente suprimidos! Desconheço o(a) canalha responsável por isso. Mas a razão é certa: o trecho contém algumas colocações disparatadas... Reproduzo-o abaixo.

"Aprecia-se, em alguns [centros kardecistas], o brilho das assistências elegantes; contentam-se, muitos, com a desataviada modéstia dos pobres; mesclam-se, na maioria, fraternalmente e sem preconceitos, as diferentes classes sociais; em numerosos desses centros, conservam-se reminiscências do catolicismo; avultam os contaminados pela Linha Branca [Negra, pelo contexto] de Umbanda; não faltam núcleos de fanáticos, atirando pedras para todos os lados, e sobram irmandades tolerantes, lançando flores em todas as direções, mas a elevação dos princípios pregados é uniforme nos centros do kardecismo.

À margem dos kardecistas, florescem os centros de transição, fundados sem o objetivo real de sua finalidade, e que servem para facilitar aos egressos de outras religiões a passagem para o espiritismo.

Aparecem depois, no espaço em que as autoridades localizam o que chamam falso espiritismo e o que consideram baixo espiritismo, a macumba, com os seus trabalhos compassados ao ritmo de batuques, tambores e rústicos instrumentos africanos; a feitiçaria, com suas variantes, inclusive a magia negra. Não temos, porém, o Candomblé, talvez originário do Congo e praticado na Bahia, em Alagoas e, possivelmente, em outras regiões do Norte.

O espiritismo de linha compreende, pelo menos, 99 subdivisões, ou linhas, que são as de que eu tenho conhecimento; nem todas, porém, praticadas à beira da Guanabara.

Conta-se, finalmente, a Linha Branca de Umbanda, com as suas sete seções, tornada poderosa, no sentido numérico, pelas necessidades de defesa... da gente ameaçada pelos excessos das linhas da cor oposta à de sua designação.

Em todos os agrupamentos espíritas do Rio de Janeiro, excetuados parcialmente os das linhas ditas negras, a finalidade é a mesma: o aperfeiçoamento da individualidade humana pela prática das leis divinas, mediante a cultura dos sentimentos superiores e o domínio do instinto animal, expressos tais esforços em atos de piedosa solidariedade fraternal."

segunda-feira, junho 01, 2020

As sete linhas de umbanda, um reino de confusão

(Edmar Arantes)

Sob o nome "umbanda" os mais diversos sistemas de cultos religiosos foram e são albergados. Considerando sempre um setenário imaginativo (as ditas "linhas", com nomes e cores características), sem respaldo factual, a encontrar guarida apenas em mentes afeitas a encantos numerológicos (o 7 é sempre muito querido), já os primeiros autores que abordaram doutrinariamente o assunto foram incoerentes entre si. Era de se esperar. Sendo mero exercício de imaginação a qualificação de tais linhas, cada um tratou de exercê-lo a seu modo...

Aqui, neste texto, exporemos as classificações descritas por quatro autores que fizeram escola nas décadas de 30, 40, 50 e 60 do século passado: Leal de Souza, Lourenço Braga, Yokaanam e W. W. da Matta e Silva.

Leal de Souza

Tornou-se umbandista por suas visitas à Tenda Espírita Nossa Senhora da Piedade, localizada em Neves (bairro de São Gonçalo fronteiriço com Niterói/RJ) e então dirigida por Zélio de Moraes, considerado por alguns desavisados o "fundador da Umbanda" (vale perguntar: qual delas?). Simpatizou com a religião. Já então médium e dirigente espiritual (portanto, "entendido" do assunto), foi o primeiro autor a abordar em livro a doutrina umbandista, publicando a obra O Espiritismo, a Magia e as Sete Linhas de Umbanda em 1933, compilação de suas matérias no Diário de Notícias no ano anterior, nas quais dissertava sobre os assuntos mencionados no título do livro.

Logo no início da obra, o autor faz a seguinte afirmação disparatada: "O espiritismo de linha compreende, pelo menos, 99 subdivisões, ou linhas" (p. 12)... Carecia perguntar: É mesmo?! E tu constatou isso como? Rir pra não chorar.

No cap. XVIII, de Souza diz que a Linha Branca de Umbanda compreendia sete linhas (!), uma delas transversa (!!), que faria ligação com a Linha Negra... Lourenço Braga, autor que abordaremos em sequência, em sua obra Umbanda (magia branca) e Quimbanda (magia negra) fez a seguinte pertinente consideração quanto a isso:

Se chamarmos a Lei de Umbanda de Linha de Umbanda, que nome então daremos às sete linhas em que a Umbanda se divide, tais como sejam: Linha de Xangô, Linha de Ogum, Linha de Iemanjá, etc.? (pp. 24-25)

As sete divisões da "Linha Branca de Umbanda", segundo Leal de Souza, seriam as seguintes:
1- Linha de Oxalá, Nosso Senhor do Bonfim (Jesus Cristo). Cor característica: branco
2- Linha de Ogum, São Jorge. Cor característica: vermelho
3- Linha de Euxoce (Oxóssi), São Sebastião. Cor característica: verde
4- Linha de Xangô, São Jerônimo. Cor característica: roxo
5- Linha de Nha-San (Iansã), Santa Bárbara. Cor característica: amarelo
6- Linha de Amanjar (Iemanjá), N. Sra. da Conceição (Virgem Maria). Cor característica: azul
7- Linha de Santo ou das Almas, que não teria entidade católica como dirigente nem cor característica, sendo uma linha "transversa", que faria ligação com a Linha Negra

Já não bastasse o "apelidamento" de santos católicos com nomes de orixás africanos, o que de Souza "explica" dizendo que se trata dos nomes de tais santos na "língua de umbanda" (?!), no cap. XXI da obra ele vai além no disparate, referindo-se a orixás não como os chefes das linhas, mas como os vinte e um subordinados diretos de cada um deles... (nota de 09/06/2021)

Lourenço Braga

Publica em 1942, pela Livraria Jacintho, Umbanda (magia branca) e Quimbanda (magia negra). Sem citar nomes, faz uma explícita crítica à divisão de Leal de Souza:

(...) Não confundam a "Linha de Oxalá ou de Santo", de Umbanda, com a "Linha das Almas", que é da Quimbanda. A Linha das Almas é chefiada por Umulum, dono dos cemitérios! E Inhaçã não é linha, é uma "legião" pertencente à Linha de Xangô! (p. 35)

É curioso, no entanto, que, apesar de ter ressaltado no trecho acima transcrito que "Inhaçã" não é linha (Braga usa também a palavra "povo" como sinônimo), na p. 62 ele considera, sim, Inhaçã como linha, ressaltando ainda que a oferenda para este povo seria vinho fino, enquanto que para o de Xangô seria cerveja preta...

Segundo Braga, a "Lei de Umbanda" se dividiria nas seguintes linhas:
1- Linha de Santo ou de Oxalá, dirigida por Jesus Cristo
2- Linha de Iamanjá (Iemanjá), dirigida pela Virgem Maria
3- Linha do Oriente, dirigida por São João Batista
4- Linha de Oxoce (Oxóssi), dirigida por São Sebastião
5- Linha de Xangô, dirigida por São Jerônimo
6- Linha de Ogum, dirigida por São Jorge
7- Linha Africana, dirigida por São Cipriano

É de se notar que o autor não esclareceu a qual "São Cipriano" ele se referia (há quatro). Este ponto foi também observado por Matta e Silva em sua obra Umbanda de Todos Nós (ver pp. 101-102 da 3a. edição, de 1969).

Braga inova ao propor que cada uma destas 7 linhas seria também dividida em sete, totalizando assim 49 "legiões", o mesmo acontecendo para as 7 linhas da "Lei de Quimbanda". Nomeando as 7 linhas da "Lei de Umbanda", suas legiões, as 7 linhas da "Lei de Quimbanda" e ainda fornecendo nomes de vários "exus", o autor chega a cerca de 100 denominações! Haja imaginação...

Mais tarde, em 1956, publica, pela Editôra Souza, Umbanda e Quimbanda - volume 2, mudando o nome das linhas e de seus dirigentes. Dando outra direção ao seu viés imaginativo, redenomina a Linha de Santo ou de Oxalá para "Linha de Oxalá ou das Almas" (em sua versão anterior ele havia frisado que a Linha das Almas era da Quimbanda), muda os dirigentes das linhas de Iemanjá, do Oriente, de Oxóssi, de Xangô e de Ogum, que na "realidade" seriam dirigidas, respectivamente, pelos arcanjos Gabriel, Rafael, Zadiel, Orifiel e Samael, e substitui a Linha Africana pela "Linha dos Mistérios ou Encantamentos", que seria dirigida pelo arcanjo Anael. (Vide História da Umbanda, Alexandre Cumino, Ed. Madras, 2010, pp. 374-375.) Poderíamos dizer: esse não bate bem, não!

Yokaanam

Em 1952 publica Evangelho de Umbanda. Nesta obra as sete linhas são apresentadas da seguinte maneira:
1- Linha de S. João Batista (Xangô-Kaô, ou Xangô Maior). Cor característica: rosa
2- Linha de Sta. Catarina de Alexandria (Yanci). Cor característica: azul
3- Linha de Custódio (anjo), "diretor" de Cosme e Damião (Ibejês). Cor característica: branco
4- Linha de S. Sebastião (Oxoce). Cor característica: verde
5- Linha de S. Jorge (Ogum). Cor característica: vermelho escarlate
6- Linha de S. Jerônimo (Xangô). Cor característica: roxo-violeta
7- Linha de S. Lázaro (Ogum de Lei). Cor característica: amarelo

O primeiro ponto que nos salta à vista é a colocação de um anjo na mesma classe de santos católicos. Outro ponto é a utilização de "espécies" na mesma classe de "gêneros". Assim, Xangô-Kaô (um dos tipos de Xangô) estaria nivelado com o próprio Xangô, e Ogum de Lei (um dos tipos de Ogum) com o próprio Ogum. Absoluta falta de sistemática. Matta e Silva, autor que abordaremos em sequência, comentaria sobre isso em sua obra Umbanda de Todos Nós:

Esta é uma das concepções correntes mais chocantes, porque nota-se a completa falta de conhecimentos de base sobre Lei de Umbanda e fere nossa lógica, quando vemos seis Santos em paralelo com um anjo ou arcanjo, dirigindo as legiões, grupos ou linhas... Dizemos chocante ainda, porque assim como arranjaram o anjo Custódio que, pela hierarquia conhecida, em sua condição, deve estar acima dos Santos, substituíram também N. S. da Conceição (uma das concepções da Virgem Maria, que dizem ser Yemanjá), por Santa Catarina de Alexandria (Yanci), que asseveram atualmente estar no comando (desde quando? Como se passou este fato transcendental de que os outros mortais de fé não tiveram conhecimento até hoje?). E, para finalizar os "considerando" sobre esta concepção, verificamos mais que repartiram a direção da Linha de Ogum para dois Santos (S. Jorge e S. Lázaro): o primeiro é Ogum de Lei e o segundo, simplesmente Ogum... Nesta mágica, estão S. Jerônimo que é Xangô apenas ou Deus que habita os mistérios e S. João Batista, que é Xangô também, mas Kaô ou ainda Xangô Maior (p. 104 da 3a. edição, de 1969)

Concluindo com uma sensata consideração:

Cremos ser impossível penetrar no complexo da criatura que engendrou semelhantes legiões que, por certo, irá ainda mais confundir ou embaralhar esta Umbanda de todos nós, ainda tão incompreendida, perseguida e detratada! E quem, inteirando-se de mais este sincretismo, não terá um sorriso de ironia e de descrença? (p. 105)

Como bom codificador da religião, Yokaanam não poderia deixar de turbinar sua viagem imaginativa. Assim, para ele, "Umbanda" seria proveniente de "Um" (Deus) + "banda" (legião, exército). Legal demais, não?!

W. W. da Matta e Silva

Publica em 1956 Umbanda de Todos Nós, obra que fez grande sucesso, cuja 2a. edição, bastante aumentada, foi publicada em 1960 pela Livraria Freitas Bastos (sobre esta livraria-editora, vide aqui). O autor dissocia os termos "Oxalá", "Iemanjá", "Xangô", "Ogum" e "Oxóssi" (nomes de orixás africanos) de figuras do hagiológio católico1, dizendo que, na realidade, tais termos, juntamente com Yori e Yorimá, designariam as sete "Vibrações Originais" (p. 59 da 3a. edição, de 1969), emanadas pelos sete "Espíritos de Deus" (p. 56 da mesma edição), e reconceitua orixá como sendo qualquer dos espíritos dentre os chefes de legiões, de falanges e de subfalanges em cada linha (pp. 88 e 209)...

Propõe a seguinte classificação para as linhas da "Lei de Umbanda":
1- Linha de Oxalá, o Princípio, o Incriado, o Reflexo de Deus. Cores características: branco e amarelo-ouro
2- Linha de Yemanjá, a Divina Mãe, o Eterno Feminino, a Divindade da Fecundação. Cores características: amarelo e prateado
3- Linha de Xangô, o Ser Existente, o Dirigente das Almas, o Senhor da Balança. Cor característica: verde
4- Linha de Ogum, o Fogo da Salvação ou da Glória. Cor característica: alaranjado
5- Linha de Oxosi, a Ação Envolvente ou Circular dos Viventes da Terra. Cor característica: azul
6- Linha de Yori, a Potência em Ação da Luz Reinante. Cor característica: vermelho
7- Linha de Yorimá, a Potência da Palavra da Lei. Cor característica: violeta

Bem se vê que o autor não estava de brincadeira em seu exercício imaginativo... E não é só! Seguindo os devaneios numerológicos e nominais de Lourenço Braga, também afirma que cada uma destas 7 linhas seria dividida em sete, totalizando 49 legiões, o mesmo ocorrendo quanto às 7 linhas da Quimbanda. Nomeando tudo isso, Matta e Silva chega a mais de 100 denominações, só que com muitos nomes diferentes daqueles utilizados pelo autor de Umbanda (magia branca) e Quimbanda (magia negra)... Você, leitor, ficaria com qual conjunto de nomes? É questão de gosto, pois de realidade não há nem sinal.

No quesito imaginação, Matta e Silva superou a grande maioria dos autores umbandistas que o antecederam (perde talvez para Aluizio Fontenelle) e todos que o sucederam. Tudo feito de forma muito sistemática. Pois bem. Não bastasse o que já mostramos em uma postagem anterior deste mesmo blog2 e o que expusemos acima, há mais... Para o autor, "Umbanda" seria um termo "místico, litúrgico, sagrado, vibrado, cuja origem se encontra naquele alfabeto primitivo que os próprios Bhramas desconheciam a essência" (p. 31 da 3a. edição de Umbanda de Todos Nós), o mesmo se aplicando aos nomes das linhas (p. 60); "Umbanda" significaria conjunto das leis de Deus, uma vez que proviria de "Um" (Deus) + "ban" (conjunto) + "da" (lei) (p. 38); e por aí vai... Mas paremos por aqui.

_________________________
1- Antes dele, Oliveira Magno já havia feito o mesmo (vide Umbanda esotérica e iniciática, 1950). Este autor, entretanto, cometeu erro histórico ao afirmar que os nomes Oxalá, Xangô, etc. seriam provenientes de um "setenário nagô", algo que nunca existiu.
2- https://jedarib.blogspot.com/2018/10/as-viagens-de-matta-e-silva.html

terça-feira, outubro 30, 2018

As "viagens" de Matta e Silva

(Edmar Arantes)

A primeira vez que ouvi falar sobre o escritor umbandista W. W. da Matta e Silva (1917-1988) foi através do extinto site Aumbhandam (aumbhandam.org.br), lá pelos idos de 2003. Anos depois, creio que em meados de 2008, lendo rasgados elogios do Marcelo Del Debbio ao "mestre", renovado interesse em conhecer a doutrina de Matta e Silva invadiu-me. Mas só fui travar contato direto com uma obra dele no início de 2013, quando então adquiri a 3a. edição (a definitiva, de 1969) de seu aclamado livro "Umbanda de todos nós".

Que decepção!...

Logo na apresentação da obra já observamos vislumbres dos despautérios que se seguiriam.

Por exemplo, pondo-se acima do Bem e do Mal, e colocando o que ele chama de Umbanda (ou Lei de Umbanda) como o non plus ultra em termos religiosos, Matta e Silva faz afirmações verdadeiramente lunáticas, impossíveis de serem checadas:

... os cultos africanos e suas práticas, ... há vários séculos, na própria África, perderam contato com sua "fonte original", ... que sempre se chamou UMBANDA (p. 7)

Verdadeiramente, do Seio da Religião Original, isto é, desta Lei que se identifica como de UMBANDA, é que nasceram todas as demais expressões religiosas (p. 14)

Porque UMBANDA é, em realidade, Lei, Expressão e Regra da chamada “Palavra Perdida” ... (p. 15)

Por fim, já no final da Apresentação, fazendo ligeiras referências à lendária Agartha, afirma:

... este vocábulo – UMBANDA – vem do “alfabeto divino” existente neste mesmo centro chamado Agartha (p. 16)

Só poderíamos terminar como os portugueses: DURMA-SE COM UM BARULHO DESSES!

(Pretendo continuar com este assunto em novas postagens)

sexta-feira, outubro 26, 2018

Curiosidades sobre a editora Livraria Freitas Bastos

(Edmar Arantes)

Em minhas pesquisas sobre a construção da literatura espiritualista no Brasil, realizadas desde há quase 15 anos, logo me deparei com uma editora realmente sui generis neste sentido. Trata-se da Livraria Freitas Bastos S/A, que a partir de 1960 "abraçou" vários espiritualistas "novidadeiros", portadores de evidente megalomania: Huberto Rohden (ex-padre católico, criador da Filosofia Univérsica), W. W. da Matta e Silva (propagador da chamada Umbanda Esotérica), o médium Hercílio Maes (que divulgava "informações" pra lá de extravagantes psicografando Ramatis), Diamantino Coelho Fernandes (que se achava a reencarnação do apóstolo Thiago e acreditava receber mensagens do Espírito de Maria de Nazareth)... Isso sem falar em Osvaldo Polidoro (fundador do Divinismo e que se dizia reencarnação de Allan Kardec), do qual a editora publicou ao menos uma obra ("Programa Divino e Curas Espíritas", 1965).

Reza a lenda que Yokaanam (Oceano de Sá) também andou flertando com a editora-livraria, mas esse era louco demais. Após 2 anos de espera para a publicação de um livro seu cujos originais foram deixados lá (a informação consta da 2a. ed. da obra "Yokaanam Fala à Posteridade", publicada em 1970), desfez o contrato com a editora, que, segundo ele, em represália ligou para todas as livrarias da Guanabara (antigo estado do Brasil, que existiu no território do atual município do Rio de Janeiro) solicitando que não aceitassem editar seus livros... Se é verdade o fato, não sei. Fica aí o registro...
*

A seguir, algumas curiosidades editoriais relacionadas à Livraria Freitas Bastos:

1959
-- Conforme consta do colofão de "A Sobrevivência do Espírito" (Ed. Divino Mestre, 1959), compunha e imprimia, o que indica que nesta época possuía parque gráfico próprio

1960
-- Publica, de Huberto Rohden, "O Sermão da Montanha", "Novos Rumos para a Educação" (2a. ed) e "O Espírito da Filosofia Oriental" (3a. ed.), além da 2a. ed. de "Umbanda de Todos Nós", de W. W. da Matta e Silva
-- Duas lojas, localizadas nos seguintes endereços: R. Sete de Setembro, 111 (Rio), e R. 15 de Novembro, 62/66 (S. Paulo)

1968
-- Mudança no endereço da loja do Rio: R. Sete de Setembro, 113 (cf. "Magia de Redenção", 1968)
-- Conforme colofão da obra referida acima, subentende-se que continuava a compor e imprimir, e isto até pelo menos fins de 1971 (cf. "Amazônia: perfis industriais", 1971)
-- Mudança no lôgo (cf. o já citado "Magia de Redenção", 1968, mas pode ter ocorrido antes, só que após 1964, visto que a 1a. ed. "Elucidações do Além", publicada nesse ano, ainda apresentava o anterior)

1973 (agosto)
-- Outra mudança de endereço no Rio: agora, R. Sete de Setembro, 127/129 (cf. 2a. ed. de "Doutrina e Aplicação do Direito Tributário", 1973)
-- Já terceirizava a composição e impressão (cf. obra acima citada)

1974 (julho)
-- Lôgo na lombada (verifiquei na 4a. ed. de "Umbanda de Todos Nós", de 1974, mas pode ter ocorrido antes, desde que após 1969, pois nesse ano, na 3a. ed. da citada obra, não aparecia)
-- Ficha catalográfica (verifiquei na 4a. ed. de "Umbanda de Todos Nós", de 1974, mas pode ter passado a constar nos livros antes, só que após 1970, pois na 1a. ed. de "Macumbas e Candomblés na Umbanda", publicada nesse ano, ainda não constava)

1982
-- Mais uma loja, no Rio, situada à R. Maria Freitas, 110-A (cf. 4a. ed. de "A Vida além da Sepultura", 1982)

1985
-- Mais outra loja, agora em S. Paulo: R. Domingos de Morais, 2414 (cf. 5a. ed. de "O Sublime Peregrino", 1985)

1991
-- Já não consta a loja acima referida, mas as outras continuam (cf. 3a. ed. de "A Rosa e o Espinho", 1991), e isto até 1995 (cf. 4a. ed. de "Mensagens do Grande Coração", 1995)

1997
-- Apresentava apenas um endereço: Av. Londres, 381, CEP 21041-030, Bonsucesso, Rio de Janeiro, RJ (cf. ed. de 1997 de "Jesus e a Jerusalém Renovada")

sábado, dezembro 26, 2015

José Ribeiro, "o novo rei do candomblé"

Pouco há na internet sobre José Ribeiro de Souza, mais conhecido apenas como José Ribeiro, falecido babalorixá, escritor, professor de línguas sudanesas e intérprete e compositor de músicas folclóricas e afro-brasileiras. Em pesquisa realizada em março de 2013 nas fichas do Catálogo de Livros da Biblioteca Nacional, descobri que nascera em 1930. Em outra pesquisa realizada nessa época, encontrei também que José Ribeiro teria sido filho (de santo) de Joãozinho da Gomeia, "o rei do candomblé", e que, após a morte deste, em março de 1971, teria tomado para si o título, passando a se denominar "o novo rei do candomblé". Esta denominação encontra-se registrada, por exemplo, em seu LP "No reino de Angola", lançado naquele ano.

Publicou seus livros principalmente pelas editoras Espiritualista e Eco (vide um post sobre elas aqui).

Na edição de 16/01/1975 do jornal Correio Braziliense, saiu uma matéria sobre José Ribeiro:
Apesar de se falar na matéria em 25 livros publicados por ele até jan/1975, encontramos apenas 23 obras publicadas por José Ribeiro até tal data, conforme a seguir:
1) Candomblé no Brasil (Espiritualista, 2a. ed., 1957)
2) Orixás africanos (Espiritualista, 1961)
3) Comida de santo e oferendas (Folha Carioca, 1962)
4) 400 pontos riscados e cantados na umbanda e candomblé (Folha Carioca, 1962)
5) Dicionário africano de umbanda (Aurora, 1963)
6) O jogo dos búzios (Aurora, 1963)
7) Amalás (Espiritualista, 2a. ed., 1969)
8) Omulu - o senhor do cemitério (Espiritualista, 1969)
9) Pontos cantados nos candomblés (Espiritualista, 1969)
10) O ritual africano e seus mistérios (Espiritualista, 1969)
11) As festas dos eguns (Eco, 1969?)
12) O poder das ervas na umbanda (Eco, 1969?)
13) Cerimônias da umbanda e do candomblé (Eco, 1969?)
14) Oxalá - o médium supremo (Espiritualista, 1970)
15) Pomba Gira - mirongueira (Espiritualista, 1970)
16) Brasil no folclore (Aurora, 1970)
17) Magia africana (Espiritualista, 1972)
18) Culto malê (Espiritualista, 1973)
19) Tranca Ruas das Almas, com Decelso (Eco, 1974)
20) Catimbó de Zé Pilintra (Espiritualista, 1974)
21) No reino de Angola (Espiritualista, s/d)
22) Tambores d'África (Espiritualista, s/d)
23) Mirongas de preto velho (Espiritualista, s/d)

Mais tarde, José Ribeiro lançaria ao menos 5 títulos pela editora Pallas: "Eu, Maria Padilha" (1977), "Magia do candomblé" (1985), "Mágico mundo dos orixás" (1988), "O jogo de búzios e as cerimônias esotéricas dos cultos afro-brasileiros" (1990) e "Catimbó - magia do Nordeste" (1991).

Nota: este post foi atualizado em nov/2023.

domingo, março 10, 2013

As primeiras editoras de livros de umbanda

(Edmar Arantes)

Dando de certa forma continuidade à postagem anterior, em que tratamos dos primeiros livros umbandistas, iremos nesta fornecer alguns lances a respeito das primeiras editoras que passaram a publicar regularmente títulos de umbanda, que foi o assunto que de fato nos levou à pesquisa ali apresentada.

Até o fim da década de 40 não havia ainda editora que publicasse regularmente tais títulos. Os que tinham sido lançados até então se enquadravam em três classes: publicações independentes, lançadas à custa do autor ou da tenda ou entidade à qual ele estivesse filiado; lançamentos pelo selo "Biblioteca Espiritualista Brasileira", e umas poucas exceções lançadas de fato por editoras (como a 3a. ed. de "Umbanda", obra de João de Freitas, e a 1a. ed. de "Trabalhos de Umbanda, ou Magia Prática", de Lourenço Braga, títulos lançados pela tradicional Editôra Moderna, do Rio de Janeiro). Foi somente em 1950 que uma empresa editorial resolveu abrir suas portas para autores de livros sobre umbanda e publicar regularmente títulos da área. Falamos da Gráfica Editôra Aurora Ltda., então dirigida por Ernesto Mandarino e localizada à Rua Vinte de Abril, 16, Rio de Janeiro. O primeiro autor do ramo ali publicado foi, ao que tudo indica, Oliveira Magno.

É curioso observar que, talvez pelo preconceito ainda existente àquela época para com tais títulos, até 1953 raramente o nome da editora aparecia na capa dos livros, e só vamos descobrir que a Gráf. Ed. Aurora, além de ter impresso os livros, também atuou como editora, através da leitura dos prefácios ou "post-fácios" destes.

Em 1954, a Aurora lançou a Coleção Espiritualista, que seria, quase toda, constituída de livros umbandistas. Vejamos a listagem dos livros desta coleção até seu número 19:

1 - "A Umbanda e seus Complexos" (Oliveira Magno, 3a. ed., 1954)
2 - "Magia Prática Sexual" (Oliveira Magno, 2a. ed., 1954)
3 - "Umbanda" (Florisbela M. de Sousa Franco, 2a. ed., 1954)
4 - "As Mirongas de Umbanda" (Byron Tôrres de Freitas e Tancredo da Silva Pinto, 1954)
5 - "Lições de Umbanda" (Samuel Pönze, 1954)
6 - "Práticas de Umbanda" (Oliveira Magno, 3a. ed., 1954)
7 - "Doutrina e Ritual de Umbanda" (Byron Tôrres de Freitas e Tancredo da Silva Pinto, 2a. ed., 1954)
8 - "Utilidades Astrológicas" (Oliveira Magno, 1954)
9 - "Lex Umbanda" (Ab'd 'Ruanda, 1954)
10 - "O Espiritismo no Conceito das Religiões e a Lei de Umbanda" (Aluizio Fontenelle, 2a. ed., 1954)
11 - "Banhos e Defumações na Umbanda" (Ab'd 'Ruanda, 1954)
12 - "Alquimia de Umbanda" (Silvio Pereira Maciel, 3a. ed. [1], ?)
13 - "Umbanda e Ocultismo" (Oliveira Magno, 2a. ed., ?)
14 - "Ritual Prático de Umbanda" (Oliveira Magno, 2a. ed., 1956)
15 - "A Umbanda Esotérica e Iniciática" (Oliveira Magno, 3a. ed., 1956)
16 - "Fôrças ocultas, luz e caridade" (J. Dias Sobrinho, 3a. ed., 1956)
17 - "Umbanda Mista" (Sylvio Pereira Maciel, 2a. ed., 1957)
18 - "Umbandismo" (Antônio Alves Teixeira "Neto", 1957)
19 - "Camba de Umbanda" (Byron Tôrres de Freitas e Tancredo da Silva Pinto, 1957)

Curiosamente, o n. 20 desta coleção ("A Umbanda Através dos Séculos", de Aluízio Fontenelle, 2a. ed., 1957) seria publicado por outra editora, a nascente Editôra Espiritualista Ltda., localizada à Rua Frei Caneca, 19, Rio de Janeiro, assim como pelo menos outros três: os números 24 ("Candomblé no Brasil", de José Ribeiro, 2a. ed., 1957), 25 ("Codificação da Lei de Umbanda - Parte científica e Parte prática", de Emanuel Zespo, 2a. ed., 1960) e 26 ("Umbanda para os médiuns", de Florisbela Maria de Souza, 1960) [2], o que mostra que a Ed. Espiritualista mantinha íntimas relações empresariais com a Gráf. Ed. Aurora. Além disso, a partir de 1958 a Ed. Espiritualista passou a republicar títulos da Coleção Espiritualista antes publicados pela Aurora, assim como algumas obras maçônicas e outras tidas como de ciências ocultas antes publicadas por essa editora ("A maçonaria e a grandeza do Brasil", "A mão e seus segredos", "Um pouco de astrologia", etc.). Em contrapartida, a Gráf. Ed. Aurora republicou pelo menos um título já editado pela Espiritualista: "A Umbanda Através dos Séculos", 3a. ed. [3], 1963. É interessante constatar também que este foi o último ano em que livros umbandistas saíram pela Aurora, assim como o último ano da gráfica-editora no endereço citado no início deste texto. A partir de 1964, curiosamente, a Gráf. Ed. Aurora passou a se localizar no mesmíssimo endereço da Ed. Espiritualista (farei uma ilação sobre isso ao fim deste texto). Esta última, a partir desse mesmo ano (e até o término de suas atividades [4]), seguiu com praticamente uma única concorrente no mercado editorial de livros umbandistas, sobre a qual falaremos a seguir.

Foi em 1963 que apareceram os primeiros títulos do selo Editôra Eco [5]. Fundada por Ernesto Emanuele Mandarino, que supomos ser filho do outro, desde o seu início publicou títulos de umbanda, principal segmento da editora. Inicialmente localizada à Rua do Senado, 320 - Conj. 407 - Rio de Janeiro, GB, em meados de 1966, já como nome-fantasia da Livraria Editôra Mandarino Ltda. para a publicação de títulos de umbanda e candomblé, vamos encontrá-la na Rua Marquês de Pombal, 172 - sobreloja 1 - Rio de Janeiro, GB.

A livraria-editora possuía filial no número 171-B da rua citada, conforme pode-se constatar das informações editoriais da obra "Os orixás e o candomblé", de 1967. Em 1970 o logo da editora foi modificado e seu endereço principal passou a ser aquele onde antes era o da filial, R. Marquês de Pombal, 171-B, Rio de Janeiro (compare-se frontispício da obra "Despachos e oferendas na umbanda", de 1969, com página de dados editoriais de "O que é a umbanda", obra de 1970). Em 1973, porém, o endereço da matriz volta a ser R. Marquês de Pombal, 172, Rio de Janeiro, conforme podemos observar da 2a. ed. de "O livro (completo) do feiticeiro Athanásio" e da 3a. ed. de "Pomba-Gira". Mais tarde, a livraria-editora passa a se chamar apenas Editora Mandarino Ltda., com os endereços mantidos (matriz no número 172, sblj., e filial no 171-B), e isso até pelo menos 1990, conforme pode ser visto aqui. A editora foi baixada em 31/12/2008 por inaptidão [6]. (Trecho modificado nos dias 27/05/2020 e 01/06/2021)

Sobre a "coincidência" entre o fim da publicação de títulos umbandistas pelo selo Aurora, a mudança de endereço da Gráf. Ed. Aurora para o da Ed. Espiritualista e o início das atividades da Ed. Eco, tudo ocorrido em meados de 1963, a ilação que faço é que, tendo falecido naquele ano Ernesto Mandarino, então diretor da Gráf. Ed. Aurora, esta fora comprada pela Ed. Espiritualista, passando a funcionar em seu endereço. (A marca Aurora ficou restrita a livros não espiritualistas.) Além disso, dando de certa forma continuidade ao trabalho de Ernesto Mandarino, seu filho Ernesto E. Mandarino fundou a Ed. Eco, como já dito.

_________
1- Esta edição constou erroneamente como 2a. na capa da obra, mas a 2a. ed. verdadeira é de 1951.
2- Os números 21 ("Exu", de Aluízio Fontenelle, 3a. ed., 1957) e 28 ("Do batuque e das origens da Umbanda", de Leopoldo Bettiol, 1963) foram publicados pela Gráf. Ed. Aurora.
3- A edição seguinte desta obra (4a., de 1971) foi publicada novamente pela Ed. Espiritualista.
4- Conforme pode ser constatado aqui, em 1998 ainda reeditava livros, mas a publicação de títulos exclusivamente umbandistas pela editora cessou em meados da década de 80 ou no início da década de 90. (Nota de 25.10.15)
5- Então Edições Eco. O nome Editôra Eco apareceria somente no ano seguinte, 1964.
6- Conforme http://empresasdobrasil.com/empresa/editora-mandarino-ltda-34026245000100 (nota: há erro na fornecida data do registro da empresa, 02/06/1972, pois em 1967 ela já funcionava). Curiosidades: (1) após "Sonata Cósmica", livro publicado em 1995 onde aparece o endereço R. Marquês de Pombal, 171-B (não 172), não constou qualquer forma de contato para com a editora em suas publicações; (2) 1998 foi o último ano que a Eco lançou livros novos (a partir de 1999 todas as suas publicações foram reedições); (3) continuaram saindo livros sob o selo "Editora Eco" mesmo após a Ed. Mandarino Ltda. ter sido baixada.